Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação

A LEITURA E O ESTUDANTE DE BIBLIOTECONOMIA: UM INSTRUMENTO PARA SUA FORMAÇÃO
Rogério Xavier Neves 
RESUMO
Através de estudos com base na comunidade de estudantes do curso de Biblioteconomia da UNESP- Marília, sua relação com a leitura, o espaço que ela ocupa neste meio e sua influência na formação dos estudantes, procurou-se estabelecer qual a posição do estudante universitário, no caso de Biblioteconomia, quanto à sua formação como leitor. A leitura e a relação direta com a escrita também é parte integrante do trabalho, pela sistematização de conceitos, considerando-se também outras hipóteses como, por exemplo, esforços sobre a leitura como pesquisa educacional e a evolução da leitura na sociedade diante dos problemas sociais, políticos e econômicos.
PALAVRAS - CHAVE: Leitura - Estudantes - Biblioteconomia - Educação - Sociedade
 

1. Apresentação

Partindo da idéia de que ler é compreender melhor o mundo em que se vive, adquirindo conhecimentos, pode - se dizer que a leitura é um indicativo fundamental para o desenvolvimento de uma nação. Vista como um instrumento de poder, a leitura vem através dos tempos assumindo seu papel na sociedade, que é o de contribuir como decodificadora de signos, embora vá além deste nível. FREIRE (1983) comenta que os signos são os próprios fatos, acontecimentos, situações reais ou imaginárias em que os sons, paisagens, imagens tendem a melhorar a relação homem - meio - mundo.

Diante dos avanços tecnológicos, como por exemplo os meios de comunicação, essa relação tem se tornado cada vez mais prejudicada, pois a praticidade e versatilidade desses veículos de massa proporcionam um menor número de leitores; consequentemente a leitura perde seu espaço nesse meio e SILVA (1988) toca num ponto crucial, que é a necessidade de se criar uma sólida tradição científica na área da leitura, procurando superar o descaso na investigação.

A importância de trabalhar nesta investigação é por crer que o hábito de ler exerce uma grande força num contexto social, político, econômico e cultural, uma nova perspectiva de vida e visão de mundo. Corroborando esse entendimento, KLEIMAN (1989),  "aborda a leitura de mundo através da atuação do conhecimento prévio, essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto, mundo, que lhe permite fazer as inferências necessárias para relacionar partes de um texto num todo coerente."

A realidade está aí para mostrar a problemática existente na sociedade quando PINHEIRO (1988) afirma que o desinteresse pela leitura é um grave problema, pois a falta de informação leva à preguiça mental e conduz a humanidade ao caos social e cultural; infelizmente, nos meios acadêmicos também. Ora, se o contingente universitário apresenta sérios problemas no que diz respeito a leitura, linguagem, etc., sendo ele considerado parte da elite pensante do país, isso nada mais é do que o reflexo de uma organização desestruturada em termos de formação de futuros leitores e incentivadores da leitura. Nesse sentido, considera - se uma agravante quando se trata do bibliotecário. De acordo com BARROS (1986), "O bibliotecário que não lê se castra consciente ou inconscientemente. Não avança e não promove conhecimento. Não se arma para os imprevistos do dia - a - dia, esquecendo -se que a biblioteca e a universidade são palcos de incontáveis dúvidas que sua cultura pode ajudar."

A autora ainda cita que sendo o bibliotecário, um profissional da informação, por excelência, não pode, ele próprio, ficar alheio aos fatos e às notícias, o que se aplica também a todos os universitários. É esta constante atualização de conhecimento que faz do seu referencial teórico uma base segura de leitura e também de apoio ao leitor que está vinculado.
 

2. A leitura como uma questão social

Certamente, nós bibliotecários, definidos como um dos profissionais da informação, temos a responsabiblidade de mediar parte do conhecimento que chega à sociedade. Qual o nosso papel como agentes sociais? Como divulgadores culturais? Como incentivadores da leitura? Como mediadores da leitura entre o homem e o mundo? Será que estamos trabalhando em conjunto com outros profissionais conscientes também de seus papéis? Estamos aptos a formar uma geração de homens e mulheres dispostos a ampliar a sua visão de mundo?

Quando questionamos nossa postura como cidadãos, formadores de opinião, estudantes e pesquisadores que somos, em relação à sociedade e à nossa comunidade, tratamos aqui de discutir uma questão pública. A nosso ver, a leitura é uma questão pública, um direito do cidadão; portanto, um componente de um ato social, uma ação que em princípio, visa ao benefício de todos, nesse caso, vemos que é dever do Estado garantir que todos possam, se quiserem, usufruir da leitura e da escrita, como um benefício comunitário, direcionado para a informação, a comunicação e educação da sociedade.

A leitura também teve o seu lado particular e individual, como nos apresenta MORAIS (1996); em seu livro, nos mostra, que além de pública, a leitura também se constitui em um deleite individual. É um bem adquirido pela sociedade, mas não exclui as condições do prazer particular, valorizado pela intimidade silenciosa que a leitura pode proporcionar.

A leitura, tomada como problema social se relacionada com "maus" leitores, raramente é vista como leitura de prazer. Aí, evidentemente, algumas perguntas surgem: é preciso ler? Por que? Para que? Muitas respostas existem, como por exemplo: - para estudar; - para instruir - se; para ser alguém na vida, enfim, uma série de respostas que têm como conseqüência a ação. Ação esta que proporcione vantagens, não uma ação que resulte em prazer; uma leitura comparada à alimentação que nós saboreamos conforme nossa fome e nossa disposição momentânea, em que nós engolimos, devoramos, mastigamos; ler é pastar, conforme BARTHES ( 1974).
 

2.1 Escrita e leitura: uma aprendizagem

Não podemos ser omissos, quanto à afirmação de que as diferenças de nível econômico acarretam, geralmente, diferenças de possibilidades educativas. Nesse sentido, a ação da leitura de prazer também é afetada por essa diferença, pois o acesso a instrumentos culturais e o tempo de lazer não são estimulados nem entendidos como lazer, hobby, etc., ou simplesmente ignorados como direito ou como necessidade.

A leitura é indiscutivelmente é um problema da sociedade e que não pode ser ignorado pelas autoridades, nem pelos responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social do país. No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Folha de São Paulo, que teve como objetivo avaliar o hábito de leitura dos brasileiros, os índices de leitura variam de cidade para cidade; mas num contexto geral, 57% dos entrevistados não leram nenhum livro por prazer nos últimos 12 meses; a pesquisa demonstra, ainda, que 85% não leram nenhum livro para escola e 82% não o fizeram por motivo de trabalho. Segundo a pesquisa, apesar das taxas de hábito de leitura serem baixas, 66% dos entrevistados gostariam de ler mais do que costumam fazer, contra 34% que não pretendem aumentar o número de livros que lêem. Este panorama se explica pelo fato de que a demanda social em matéria de capacidade de leitura e escrita aumenta ou diminui conforme se multiplicam as funções sociais e econômicas da leitura e escrita.

Nesse sentido, todo o ato de escrever implica o ler, desta forma, não se pode pensar a escrita separada da leitura, enquanto apropriações de um objeto, neste caso, estamos trabalhando com a realidade, o conhecimento de mundo do homem, realidade concreta que é sempre uma produção humana.

Poderíamos avançar nesses conceitos levando também em consideração algumas outras hipóteses a respeito da leitura e da escrita; como, por exemplo, em esforços de pesquisa como ciência, através da análise e de filosofia, através da compreensão. Mas, não entraremos por essa linha de reflexão; apenas queremos apresentar hipóteses como essas que vêm sendo discutidas há muito tempo e ainda hoje são objetos de trabalho para muitos pesquisadores. Contudo, queremos ressaltar o fato de que a leitura não é um produto acabado, pronto e fechado ,mas é parte importante de todo um processo histórico-social (realidade) que está relacionado com a escrita.
 

2.3 O bibliotecário sua leitura e o mercado de trabalho

Como o mercado de trabalho está demandando profissionais qualificados, temos entendido que as exigências em termos de capacidade de leitura serão mais fortes, aumentando a cada dia. Faz-se necessária uma política econômica e social inovadora, pois o pressuposto de que o atraso observado na capacidade de leitura da população, em relação às exigências da tecnologia atual, está diretamente ligado à aprendizagem e à familiaridade com a leitura desde os primeiros anos de escola até aos níveis mais elevados do ensino. Aí também incluímos os alunos de graduação, entendendo desta forma que este fato é um problema social a ser considerado.

Na medida em que estes fatos não estão sendo suficientemente diagnosticados e os riscos de fracasso profissional aumentam, faz-se necessário fundamentar e questionar em nossas pesquisas as disparidades em relação às medidas tomadas formalmente que influenciam de modo direto a aprendizagem da leitura enquanto objeto e sua relação com a formação do indivíduo, num contexto universitário.

Sabemos que estudos já provaram que a leitura recomendada em determinados cursos universitários, ocupa um espaço relativamente pequeno, GRANJA(1985). O que vemos é algo nebuloso: as universidades, escolas e bibliotecas não contribuem no que diz respeito ao hábito de leitura, não estão cumprindo com seus papéis. Existe então um problema maior: apesar de serem agências essenciais para a formação de leitores, não são suficientes em si mesmas para garantir a evolução da leitura na sociedade, pois o saber ler não é suficiente, é preciso haver um projeto social, de estímulo, de orientação ao estudante para despertar a consciência crítica através da leitura.
 

3. Considerações finais

O que estamos constatando hoje, diante das problemáticas sociais, econômicas e políticas, é um verdadeiro duelo elite/massa, ou seja, opressor/oprimido. Quando apontamos a falta de incentivo, a escassez no apoio e a raridade do hábito da leitura é porque, detrás de uma "política caolha", existe uma política que "domestica" e dificulta os homens quanto ao exercício da consciência e da razão.

É possível que ações isoladas possam dar resultados a curto prazo, mas seus resultados não serão suficientes, pois ter mais bibliotecas, mais livros e tecnologias de ponta para organização de documentos em diversas instituições, não é o suficiente, embora seja fundamental para desenvolvimento cultural do país. Mas, o fundamental mesmo será fazer com que a população brasileira leia mais, e faça da leitura um instrumento para que cada indivíduo empreenda a conquista da cidadania. Só teremos resultados duradouros quando a leitura for um hábito que se reproduza naturalmente.

Para os estudantes universítários, especificamente no caso da Biblioteconomia, a leitura deve ser um instrumento de informação para o seu desenvolvimento acadêmico e profissional, ou seja, a leitura como instrumento para sua formação, um instrumento de educação permanente e reflexão social. Um meio que permita mudar o panorama geral do país e que possibilite intervir nas grandes decisões nacionais, cuja mediação com a realidade se dará através da leitura.

É importante ressaltar que a democratização da leitura, consequentemente da informação, não pode ser confundida com altos índices estatísticos de produção de livros, de criação de bibliotecas e nem com o crescimento do número de novos leitores ou expansão da leitura, considerando o crescimento da população na rede educacional.

Cabe a nós exercer de forma prática e direta, o nosso papel como agentes sociais e culturais incentivadores e mediadores da leitura, cobrando do Estado uma postura mais comprometida com o desenvolvimento da leitura no país.

Vemos que o Estado, por sua vez, possui uma grande responsabilidade naquilo que chamamos de crise da leitura, pois não tem apresentado uma política nesse campo, que atenda à sociedade, sem discriminações. Nesse sentido, o Estado revela o mesmo descompromisso com a Educação, quando retrai e diminui os investimentos para o ensino público e gratuito.
 

Bibliografia consultada

 BARROS, Maria Helena T.C. O bibliotecário e o ato de ler, In SILVA, E.T. O bibliotecário e a analise dos problemas da leitura. Campinas Mercado Aberto, Cad. da ALB, 1, 1986, p. 31 - 36.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. tradução Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70 (Coleção Signos 5), 119p., 1974

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 5ed. São Paulo: Associados, Cortez. 1983.

GRANJA, Elza Corrêa. Contribuições ao estudo da leitura entre estudantes universitários: análise empírica da leitura e do uso da biblioteca entre alunos de graduação do Instituto de Psicologia da USP. São Paulo, 1985 (dissertação de mestrado)USP, São Paulo. 1985.

HOMENS E LIVROS, Folha de São Paulo, ter. 13/ago/1996. Opinião, p. 1 - 2.

KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, São Paulo: Pontes, 1989.

MORAIS, José. A arte de ler. Tradução: Álvaro Lorenami. São Paulo: Unesp, 327p., 1996.

PINHEIRO, Edna Gomes. A renovação da biblioteca através do marketing. R. Comunicação Social. Fortaleza, v.18, n.1, p.23-42, jan./jun.,1988.

SILVA, E.T. Leitura e realidade brasileira. 4ed. Porto Alegre: Mercado Aberto (Série novas perspectivas) 1988, 104p.

Disponibilizado na WWW em 26/10/1998.


Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianópolis, Brasil.