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Os usos da gamificação na mobilização cognitiva da ciência cidadã online
Resumo
Objetivo: O trabalho investigou os usos da gamificação na ciência cidadã online, onde se observou a dinâmica de atuação dos elementos de jogo presentes nas interfaces destas iniciativas, bem como a sua utilização no estímulo à participação e manutenção da atuação e do envolvimento dos cientistas cidadãos.
Método: Foram selecionados e observados projetos caracterizados por experiências incorporando atividades de classificação de imagens e a tomada de decisões significativas por parte dos participantes.
Resultados: Identificou-se que os principais recursos utilizados nas iniciativas investigadas foram os pontos, as insígnias e os quadros de líderes, onde foi possível perceber que as contribuições realizadas pelos participantes, bem como os resultados globais decorrentes das experiências permaneceram inacessíveis a eles em quase todas as iniciativas observadas.
Conclusões: Observou-se que o uso da gamificação, por um lado, é capaz de amplificar tanto o público alvo envolvido quanto a sua permanência na realização das atividades propostas, atuando como um complemento motivacional, por meio de recompensas de participação. Por outro, é também uma ferramenta instrumental direcionando a atuação dos participantes, através das escolhas disponíveis nas interfaces dos projetos.
Main Text
1 INTRODUÇÃO
O uso da gamificação vem se popularizando desde a primeira década dos anos 2000, sendo utilizada em diferentes contextos, particularmente em ambientes corporativos, educacionais e de pesquisa científica (BRAZIL; ALBAGLI, 2016).
A gamificação busca mobilizar a subjetividade e a criatividade das pessoas, com a intenção de obter um maior engajamento, contribuição e colaboração em atividades específicas. Enquanto os jogos eletrônicos usualmente são imersivos e direcionados ao entretenimento, em ambientes “gamificados” procura-se aplicar elementos e técnicas de jogos na execução de tarefas bem específicas, tornando-as mais lúdicas e subjetivamente atraentes (HUOTARI; HAMARI, 2012). Facilitada pela familiaridade, o linguajar e o modo de pensar dos jogadores, a gamificação se difunde, sobretudo, com os videojogos.
Este trabalho conceitua então a gamificação como uma atividade distinta dos jogos, discutindo particularmente seus usos em iniciativas e experiências de ciência cidadã online, onde a sua aplicação vem se popularizando e motivando o engajamento e a contribuição voluntária de não cientistas em atividades e projetos de pesquisa científica.
Ao se questionar quais seriam os objetivos desejados ao se utilizar técnicas de gamificação no contexto atual, observa-se que, no capitalismo contemporâneo, figura-se uma estratégia de mobilização do tempo livre e de envolvimento das pessoas como um meio para possibilitar a ampliação da produção e uso de conhecimento e informação (LAZZARATO, 1996). Argumenta-se ser este um capitalismo que sobrevive a partir de uma exploração parasitária da produção coletiva (COCCO, 2012; ALBAGLI, 2012).
O trabalho consistiu no levantamento, na seleção e na investigação, em sítios da Internet e em relatos de casos na literatura, de experiências demonstrativas de ciência cidadã online envolvendo o uso da gamificação. Foram verificadas, sistematizadas e observadas suas estratégias, recursos, perfis dos participantes, motivações e resultados.
O artigo inicia apresentando na Seção 2 uma revisão da literatura sobre o histórico e definições do termo, procurando identificar quais técnicas e recursos vêm sendo aplicados com mais frequência na gamificação. A Seção 3 situa essa discussão no contexto dos ambientes e das formas produção e de exploração da subjetividade no capitalismo contemporâneo. A Seção 4 conceitua ciência cidadã online e apresenta as iniciativas de gamificação selecionadas. Na Seção 5 são apresentadas considerações finais acerca do trabalho e indicações de trabalhos futuros.
2 GAMIFICAÇÃO: ANTECEDENTES, DEFINIÇÕES E TÉCNICAS
Os jogos eletrônicos têm apresentado uma significativa difusão e evolução tecnológica ao longo dos anos, tendo ultrapassado a indústria do cinema em termos de faturamento, em escala global, a partir de 2008 (GROENENDIJK, 2008). Observa-se que, além do entretenimento, os jogos também ensinam os jogadores a lidarem com situações complexas e encontrarem soluções para problemas a partir de uma abordagem prática e lúdica, desenvolvendo seu raciocínio e os ajudando a se organizar, tomar decisões, colaborar e a agir em equipes (ABT, 1987; SCHELL, 2008; SMITH, 2011). Ao perceberem a forte influência motivacional que os jogos exercem sobre as pessoas, cientistas e psicólogos realizaram estudos, buscando “traduzir” ou adaptar essas características, de forma a plica-las também em situações do mundo real. Com isso, extraíram boa parte dos conceitos que hoje compõem a gamificação. A literatura destaca como ponto de partida os estudos realizados na empresa Xerox, na década de 1980, combinando a gamificação a técnicas de motivação (MALONE, 1980). A partir de 2002 a gamificação ganhou força com o movimento Serious Games Initiative e a organização Games for Change, e de 2010 em diante, o termo passou ser adotado nas diversas mídias, tornando-se popular (RADOFF, 2011; SMITH, 2011; SCHELL, 2010).
Existem semelhanças e diferenças entre a gamificação e os serious games. Os serious games constituem softwares que integram ao videojogo (videogame) propósitos diferenciados do mero entretenimento (DJAUTI; ALVAREZ; JESSEL, 2011). Este é o caso dos jogos educacionais, uma categoria específica dos serious games, direcionada a esta finalidade (NOEMI e MÁXIMO, 2014). Na gamificação, por outro lado, configura-se uma remodelagem de atividades e serviços que se valem de um “formato de jogo” (KIRKPATRICK, 2015). Ou seja, ela extrai dos jogos apenas os elementos considerados úteis para compor um ambiente que motive o engajamento, tais como mecânicas e recompensas virtuais, e deixa de lado outros fatores, como o design e a narrativa, que contribuem para compor um ambiente mais completo e imersivo, presente na maioria dos jogos, mas não necessariamente em ambientes gamificados (FERRARA, 2013).
Outro diferencial importante entre a gamificação e os jogos é a imersão. Presente na maioria dos jogos, esta última promove uma desconexão ou dispersão temporária do jogador em relação ao mundo real. As gamificações por outro lado, buscam integrar seus ambientes ao mundo real, e permitir uma participação simultânea e síncrona em ambos. Como Kim e Werbach (2016) ressaltam que, diferentemente dos videojogos, a gamificação não busca apenas simular uma realidade, mas influenciá-la e tornar-se parte dela.
De um modo geral, a gamificação é utilizada para estimular a contribuição de indivíduos, que usualmente não se conhecem, com conhecimentos e informações que agregam valor a iniciativas coletivas de interesse comum (RYAN et al., 2006; NOV; ARAZY; ANDERSON, 2011), o que é facilitado por ambientes online (VASILESCU et al., 2014). Ambientes gamificados têm sido utilizados ainda como indicadores de preferências dos usuários, podendo servir a propósitos de marketing (HUOTARI; HAMARI, 2012).
Os recursos mais utilizados atualmente na gamificação são: insígnias, pontuações e quadro de líderes, compondo uma tríade popular denominada PBL (points, badges and leaderboards) (WERBACH; HUNTER, 2012). Além destes, destacam-se ainda os desafios (challenges), as conquistas (achievements), os níveis (levels) e as barras de progresso (progress bars). Ressalta-se, por outro lado, ser crucial que os recursos da gamificação, bem como o sistema de recompensas, sejam significativos para aquele determinado grupo de participantes (DETERDING, 2012), e que as escolhas apresentadas sejam consideradas como relevantes para os participantes (FERRARA, 2013). As recompensas podem gerar satisfações subjetivas (intrínsecas) ao indivíduo que demonstrem sua capacidade de conhecimento ou de atingir um objetivo, ou ainda resultar em compensações materiais ou virtuais (extrínsecas), seja em termos de reconhecimento, como insígnias ou pontos conquistados no próprio ambiente, seja pela obtenção de bens.
Alguns elementos costumam figurar como indicadores de sucesso da gamificação. Dentre eles, podemos destacar o número de visitantes, a frequência de visitação e o tempo gasto no ambiente, bem como as contribuições aportadas (MUNTEAN, 2011). A capacidade de tomada de decisões autônomas é apontada como um estímulo importante à participação em ambientes gamificados (DETERDING, 2012).
3 O MODO DE PRODUÇÃO DOS AMBIENTES GAMIFICADOS
O trabalho vivo é, portanto, a força motriz da gamificação, que mobiliza ideias criativas e transforma conhecimento tácito em trabalho concreto útil, a partir da informação gerada e dos processos comunicativos que a impulsiona (DANTAS, 2006; COCCO; ALBAGLI, 2012). A gamificação alinha-se com a estratégia capitalista de incorporar diretamente o tempo de vida à atividade produtiva, e vice-versa. Subsume essa sensação de “escape da realidade” e a integra a um ambiente gamificado, onde cria, como alternativa, uma “realidade” paralela. Um ambiente capaz de oferecer diversão a atividades de trabalho, e de motivar uma maior produtividade a partir dos elementos de jogos. Lazzarato (2010, p.178) também identifica uma relação entre trabalho e desejo, onde destaca que: “Se a produção e o social coincidem, então já não se pode separar os ‘campos do desejo’ dos ‘campos do trabalho’, a ‘economia’ da produção de subjetividade...”.
A gamificação pode então ser vista como um elo, um elemento intermediário entre dois extremos: as atividades de trabalho, em sua forma tradicional associadas a um quadro de repetição, imposição e alienação, e as atividades do jogo, com suas regras próprias, distintas do cotidiano. Atuando nessa relação jogo x trabalho, ela é capaz de reunir esforços colaborativos em prol de uma produção concreta, para envolver as pessoas em prol de uma ou mais metas a serem alcançadas.
Os participantes, por sua vez, podem se envolver pela diversão da experiência, ou ainda por visualizarem “distinções”, em relação a um trabalho “sério”, ou mesmo por uma compulsão ao “chamado” do ambiente gamificado, que mobiliza fatores psicológicos, a partir de comparações sociais ou recompensas virtuais (KIM; WERBACH, 2016).
A mobilização para a produção na gamificação ocorre a partir de uma participação voluntária e colaborativa. Diferencia-se das atividades de trabalho e dos jogos, apesar de algumas similaridades. O engajamento dos participantes, assim como nos jogos, envolve o uso de elementos lúdicos, e que resultam numa produção de subjetividades, não exclusivamente associada a atividades de trabalho e nem a ganhos financeiros. Dentre os fatores motivacionais que contribuem para esse engajamento, se destacam a reputação, a competição e a interação social (ANNE BOWSER et al., 2013; CROWSTON; PRESTOPNIK, 2012). Tais características tornam mais difícil um controle direto sobre a produção. Uma produção que se diferencia também da existente nos jogos, cujo propósito principal gira em torno deles próprios, ou seja, que têm a si mesmos como finalidade produtiva (HUIZINGA, 1949; CAILLOIS e BARASH, 1961).
Ao transformar atividades de trabalho em jogo, o que se sucede “não é o fim do trabalho, mas sim a sua intensificação, por uma distribuição mais eficiente” (SANTOS e FERREIRA, 2008). Kirkpatrick (2015) aponta que essa transformação busca ampliar a sua performance, ou seja, orna-las mais atrativas e intensificar a produção. O capitalismo, munido de ferramentas tecnológicas, articula uma nova modalidade de exploração, pela captura dessas individuações. Boltanski e Chiapello (2005) mencionam haver um “novo espírito do capitalismo”, que incorpora o trabalho como atrativo e divertido, calcado na autonomia individual dos participantes.
O ponto de vista aqui explorado é o da gamificação atuando junto à captura parasitária da produção, sobretudo a partir da mobilização e captura da dimensão subjetiva do trabalho vivo (ALBAGLI, 2013, p. 121). Os resultados das participações no ambiente gamificado são decorrentes de uma produção de subjetividades, onde parte dela se configura como um excedente, um subproduto dessa participação, algo que repercute para além do ambiente, produzindo efeitos positivos externos a ele. Esses resultados são comparáveis às externalidades positivas mencionadas em Boutang (2012, p. 66): outputs resultantes de trocas, interlocuções e ações coletivas realizadas, mas que escapam às possibilidades de mapeamento ou de contabilização dos sistemas.
A própria dinâmica de funcionamento dos ambientes digitais, onde se incluem os jogos e ambientes gamificados, facilita a captura dessa produção de subjetividades ao incorporar a esses ambientes etapas como a identificação dos participantes, o registro e o mapeamento contínuo das ações realizadas. As performances e realizações podem ser mensuradas a partir do alcance de objetivos e conquistas pré-configuradas no ambiente gamificado, a partir de padrões de possibilidades pré-estabelecidos e pré-configurados para estas ações. Torna-se então, possível, quantificar ou mesmo qualificar parte dessa produção, considerando que essas ações realizadas pelos participantes estejam moduladas dentro dos padrões e opções pré-definidas dentro do ambiente gamificado.
Ambientes gamificados também podem ser observados como uma forma de mais valia 2.0 (DANTAS, 2014). O termo 2.0 consiste na atualização do cálculo de custo de produção da mais-valia, que inclui uma força de produção cujo custo tende a zero, voluntária: atividades de trabalho não pagas, literalmente gratuitas. Compreende uma expropriação econômica dos resultados da produção de subjetividades dos participantes.
Os diferenciais de produtividade nos ambientes gamificados consistem em: (1) uma estratégia de mobilização inclusa nos próprios ambientes de produção, que se diferencia do earnst (ganho exclusivamente financeiro) por aplicar outros fatores motivacionais em prol da manutenção de um fluxo de participação usualmente gratuito, (2) pelo mascaramento do caráter exploratório do modus-operandi capitalista, tradicionalmente visto como negativo, e gerador de insatisfações no sistema e, (3) por expor uma maior parcela das externalidades positivas, passíveis de captura, tendo-se em vista o monitoramento, o registro e a modulação das ações dos participantes nesses ambientes, através de uma pré-configuração das possibilidades de interação oferecidas, por meio de padrões estabelecidos com base numa estratégia de gamificação proposta.
4 A GAMIFICAÇÃO NA CIÊNCIA CIDADÃ
Ciência cidadã, em um sentido estrito, pode ser definida como um a contribuição voluntária de não cientistas em pesquisas de caráter científico (BONNEY et al., 2009), principalmente em atividades de coleta e de análise de dados. (MURPHY, 2015). Em sentido mais abrangente, inclui iniciativas voltadas para ampliar a participação cidadã nos rumos da ciência e na apropriação social de seus resultados (ALBAGLI et al. 2014). As experiências de ciência cidadã aqui observadas têm como foco contribuir para pesquisas e iniciativas científicas onde há necessidade de grande volume de dados e nas quais a análise realizada por um pesquisador ou equipe de pesquisa, ou mesmo por algoritmos computacionais, seria insuficiente (SILVERTOWN, 2009). Tais projetos podem ser denominados como de ciência cidadã virtual ou online (REED et al., 2012).
4.1 Experiências de gamificação em ciência cidadã
A partir de levantamento e revisão da literatura, foram selecionadas seis iniciativas de uso de gamificação na ciência cidadã. O objetivo foi investigar e caracterizar seu funcionamento, com foco nos tipos de tarefas e atividades cognitivas na participação, caracterizando ou classificando figuras ou objetos relacionados aos propósitos dos projetos investigados. Com base nessas iniciativas, buscou-se uma representatividade das formas de atuação da gamificação, de suas dinâmicas e dos resultados por ela produzidos.
A experiência StarDust@home foi selecionada em função de ser uma das precursoras na gamificação online, e por alcançar um grande público de internautas. O projeto Tiger Nations foi escolhido por aplicar a gamificação na integração da cognição humana ao processamento computacional. A iniciativa Budburst foi selecionada em função da sua estratégia de validação da qualidade dos resultados obtidos. O aplicativo gamificado Cropland foi escolhido por promover um enorme quantitativo de participantes e de resultados. O projeto Foldit foi selecionado por constituir um vínculo direto com a pesquisa científica. O projeto OldWeather foi escolhido por identificar diferentes perfis de participação e possíveis razões para um abandono precoce do ambiente gamificado.
Os seguintes critérios foram utilizados na análise das experiências selecionadas:
- a forma de atuação dos participantes, a sua motivação e autonomia no ambiente, bem como sua consciência acerca do propósito principal da gamificação, aspectos estes considerados relevantes por Kim e Werbach (2016) em processos de gamificação;
- a caracterização dos ambientes gamificados e opções de escolha disponíveis aos participantes, observando-se a influência e o direcionamento, a proceduralidade, a homogeneidade e modularidade, como destacado por Dewinter, Kocurek e Nichols (2014);
- o dimensionamento da produção gamificada em termos quantitativos e qualitativos, em função do total de contribuições realizadas, da precisão destas e de possíveis redundâncias existentes, conforme apontado em Taylor (1914).
Ao longo do trabalho, buscou-se identificar ainda de que formas essas experiências poderiam estar atuando na mobilização e na contribuição dos participantes envolvidos. A hipótese investigada considerou uma participação instrumental dessas pessoas, estimulada em função do uso dos elementos de jogos incorporados às iniciativas observadas.
4.1.1 Stardust@home na classificação de imagens espaciais
O projeto Stardust@home[1] é considerado um dos projetos precursores da ciência cidadã online envolvendo a gamificação. Consiste em um site para apoiar os estudos da NASA (National Aeronautics and Space Administration), em parceria com cientistas e desenvolvedores da Universidade de Berkeley, na Califórnia, nos Estados Unidos, que promoveu a contribuição voluntária de não cientistas na classificação de fotos tiradas por satélites, e na busca, nas imagens, da presença de partículas de poeira espacial (aerogel) em cometas. Para se estimular a permanência dos participantes no projeto, foram atribuídos pontos por cada imagem classificada, estabelecendo-se também um quadro de líderes de contribuições. A lista dos 100 participantes com maior pontuação total foi exibida no site do projeto.
Um estudo realizado por Nov, Arazy e Anderson (2011) sobre o uso dessa plataforma por participantes de três universidades americanas avaliou o tempo de permanência, a motivação e a contribuição de não cientistas no site. Em uma pesquisa realizada com 139 participantes ativos há mais de 30 dias no experimento, percebeu-se que a maioria contribuiu no site apenas durante 2 horas ou menos por semana, sendo boa parte deles já deixava de contribuir após a primeira semana. Tal padrão foi considerado comum entre os autores que analisaram plataformas online de ciência cidadã. Os fatores motivacionais mais relevantes na pesquisa foram o aprimoramento pessoal e a contribuição para um bem comum ou maior. Outras motivações foram o respeito à organização, a identificação com o tema, a reputação e a interação social.
A produção gamificada foi monitorada quantitativamente a partir do registro do total de classificações realizadas. Observou-se uma produção voluntária, onde a autonomia do participante ficou restrita a opções discretas limitadas pelo ambiente, caracterizando-o como procedural, modulado e homogeneizado, conforme observado por Dewinter, Kocurek e Nichols (2014). Uma mesma imagem foi classificada por vários participantes diferentes no ambiente, visando aprimorar os resultados, indicando o uso de estratégias de redundância na produção, conforme apontou Taylor (1914). A atuação do participante mostrou-se vital para o funcionamento do ambiente, caracterizando o modo de produção como centrado no usuário, como definido em Soderberg (2015). O agenciamento coletivo se deu a partir da inscrição no site Stardust, onde o participante atuou como um componente de uma operação internacional de classificação de imagens espaciais. A consciência dos participantes acerca do propósito da gamificação, e a sua autonomia configuraram um ambiente não manipulativo, reforçando uma autodeterminação do participante, considerada relevante por Kim e Werbach (2016) para a gamificação.
4.1.2 O projeto Tiger Nations na identificação de fotos de animais
O projeto Tiger Nation[2]foi proposto pelo Departamento de Computação da Universidade de Surrey, no Reino Unido, e apoiado pela iniciativa Evolução e Resiliência em Ecossistemas Industriais (EPSRC), sendo concluído em 2017. O experimento envolveu cientistas cidadãos tanto na coleta de dados, obtendo fotos de tigres em extinção, como na identificação de tigres específicos, por meio do uso do aplicativo gamificado StripeSense, utilizado na detecção e comparação de padrões de listras nas imagens dos tigres (match-game) (Figura 1). O aplicativo recorreu a técnicas de gamificação baseadas em pontos e insígnias.
Um teste inicial, realizado em 2012, com duração de três semanas, envolveu 20 observadores de tigres experientes que foram capazes de identificar corretamente 220 das 300 comparações de fotos de tigres inicialmente propostas pelo aplicativo. Após esse teste, o aplicativo passou a ser utilizado abertamente, tendo sido coletados um total de 6547 imagens de tigres por ecoturistas visitantes das reservas (MASON et al., 2013). A performance de participação foi monitorada e quantificada pelo número total de classificações realizadas por cada participante e a partir do ganho de insígnias.
Observou-se nesta gamificação um direcionamento para a produção colaborativa de conhecimentos, onde a autonomia do participante foi mantida, mas ficou restrita a uma proceduralidade existente no ambiente. A reclassificação de uma mesma imagem de tigre por vários participantes diferentes visando aprimorar os resultados caracterizou redundâncias no processo. A restrição ao compartilhamento da informação indicou um viés exploratório da atividade, constituindo-se numa estratégia parasitária (COCCO; ALBAGLI, 2012). Identificou-se um modo de produção centrado no usuário, em função da atuação dos participantes ser fundamental para o funcionamento do ambiente (SODERBERG, 2015). Um agenciamento coletivo se deu por conta da condição de participante na iniciativa Tiger Nation, de classificação de tigres em extinção, e que se configurou como uma máquina de classificação colaborativa, aprimoradora de algoritmos computacionais, a partir do esforço cognitivo de participantes cidadãos.
4.1.3 O aplicativo BioTracker na classificação de plantas
O aplicativo móvel BioTracker (Figura 2) foi utilizado na identificação e classificação de plantas nos arredores da Universidade de Maryland, desenvolvido a partir do Projeto BudBurst (www.budburst.org), um projeto científico patrocinado pela Fundação Nacional da Ciência (National Science Foundation – NSF), em Vancouver, destinado à construção de uma base de dados para o mapeamento e a fenologia de plantas daquela região.
O aplicativo buscou estimular a participação voluntária de jovens com recursos de gamificação, sendo estes considerados duas vezes mais propensos a jogar videogames, e em virtude da maior inclinação destes para o uso da tecnologia e de dispositivos móveis (BOWSER et al., 2013). Os recursos utilizados foram a concessão de insígnias aos que completassem atividades e desafios propostos no aplicativo, bem como a disponibilização de um quadro de líderes contendo os 10 participantes com mais plantas identificadas. A atividade foi quantificada pelo registro do total de plantas descobertas e classificadas pelo participante, e a atuação dos participantes foi contabilizada sob a forma de insígnias.
Foram avaliados 71 participantes entre 18 e 24 anos de idade, que realizaram um curso de cinco semanas sobre ciência cidadã durante o experimento. Na última semana do curso, utilizaram o aplicativo Biotracker para encontrar grupos de plantas na vizinhança do campus. Ao final do experimento, os participantes responderam a uma pesquisa associada à motivação e ao uso do aplicativo, onde o indicaram, dentre outros fatores, como: divertido (51%), ajuda a aprender sobre plantas (58%), contribui com dados científicos valiosos (59%), contribui para o bem público (63%), me motiva pela competição (48%), me motiva por conceder insígnias (36%) e me motiva pelos desafios (62%). Os elementos de gamificação presentes no aplicativo tornaram possível a participação de um público alvo jovem, atraindo novos atores para a esfera de atuação da ciência cidadã. Tal argumento foi apoiado pelo resultado de aceitação da maioria dos participantes (62%).
A atividade gamificada foi quantificada a partir do total de plantas descobertas e classificadas pelos participantes, e sua performance de atuação, contabilizada a partir das insígnias obtidas como premiação, numa produção de conhecimentos, o que caracterizou uma “comodificação” dessas ações em atos potencialmente produtivos, conforme observado em Kirkpatrick (2015). Foi identificada uma condução estratégica a partir das opções existentes no ambiente, moduladoras e homogeneizadoras da atuação, conforme delineado em Dewinter, Kocurek e Nichols (2014), onde a autonomia ficou restrita a uma proceduralidade do ambiente gamificado. Uma mesma planta foi identificada várias vezes por participantes diferentes, visando aprimorar os resultados de classificação, o que caracterizou redundâncias no processo. A atuação do participante mostrou-se essencial para o funcionamento do ambiente, identificando um modo de produção centrado no usuário, como descrito em Soderberg (2015). O agenciamento coletivo se configurou pela participação dos estudantes na iniciativa BioTracker, um ambiente colaborativo de classificação e monitoramento de plantas, onde participantes atuaram como componentes do processo. O propósito da classificação de plantas foi clarificado a partir da capacitação e conscientização dos participantes. A autonomia dos participantes configurou-se num ambiente promotor de autodeterminação, onde os resultados permaneceram acessíveis aos participantes, viabilizando um compartilhamento da informação por eles produzida.
4.1.4 O portal CitizenSort e a plataforma de classificação HappyMatch
O aplicativo Happy Moths foi utilizado para capacitar e mobilizar cientistas cidadãos na identificação de espécies de mariposas, pela comparação visual de fotos (Figura 3). O projeto integra uma iniciativa maior, o portal Citizen Sort[3], da Escola de Estudos de Informação da Universidade de Siracusa, que promove a classificação taxonômica de espécies de plantas, animais e insetos, a partir de fotografias.
A plataforma Happy Match foi desenvolvida com elementos de gamificação, e analisada em Crowston e Prestopnik (2013), com a contribuição de uma equipe de 25 membros, incluindo profissionais e estudantes. A experiência envolveu um total de 323 participantes na identificação e classificação de fotos de mariposas, a partir de um ambiente pré-configurado por experts no assunto, enfatizando-se a importância da verificação da qualidade dos resultados produzidos pelos voluntários da ciência cidadã.
A seleção dos participantes foi realizada pelo serviço Amazon Mechanical Turk (AMT), usado no recrutamento de pessoas para atividades online mediante pagamento de pequenas quantias (50 centavos a 1 dólar por pessoa). Dos 323 participantes, 185 concluíram o processo, totalizando mais de 10 mil classificações. No experimento, Crowston e Prestopnik (2013) utilizaram apenas mariposas previamente classificadas por experts, onde a taxa média de acerto obtida nas classificações foi de 73%. Ao final, uma pesquisa motivacional indicou que a maioria dos participantes usaria o aplicativo mesmo se não recebesse dinheiro. Outros fatores foram a diversão, o interesse por atividades relacionadas à natureza e o aprendizado sobre mariposas. Um terço dos participantes permaneceu no aplicativo após ter recebido o pagamento, o que indicou um possível público de ciência cidadã interessado em dar continuidade a esta atividade científica.
A atividade gamificada foi quantificada pelo registro do total de classificações, onde o ganho de pontos e de espécimes digitais em virtude da performance de participação funcionaram como recompensas, e desencadeou-se uma “comodificação” das ações em atos produtivos, como mencionado em KirkPatrick (2015). Uma condução estratégica das atividades se deu a partir de uma pré-configuração de etapas e opções de classificação no ambiente, o que caracterizou uma modulação e homogeneização na forma de atuação dos participantes, onde a autonomia do participante ficou restrita à proceduralidade do ambiente, conforme Dewinter, Kocurek e Nichols (2014). Uma extração de mais-valia por conta da gamificação foi observada, onde o esforço de participação decorrente de uma mobilização colaborativa foi “capturado” pela plataforma para outros fins, conforme indicado em Albagli e Maciel (2012) em formas de atuação parasitárias. Os resultados não permaneceram acessíveis aos participantes, reforçando a ausência do aspecto de compartilhamento das informações. A atuação do participante como peça-chave no funcionamento do ambiente configurou um modo de produção centrado no usuário, como delineado em Soderberg (2015). O agenciamento coletivo se deu através da participação pelo portal CitizenSort, uma “máquina” de classificação de espécies biológicas, onde os participantes constituem-se em peças integrantes do seu funcionamento. O propósito de mobilizar a classificação de imagens não foi ocultado dos participantes na gamificação.
4.1.5 O aplicativo CropLand Capture no mapeamento de áreas de terra
Este projeto compreendeu a classificação de imagens de satélite para o mapeamento global de terrenos. Uma experiência realizada por estudiosos da Universidade de Viena, na Áustria, envolvendo o mapeamento de áreas de plantação (croplands), onde se avaliou a atuação de novos colaboradores por meio da gamificação.
A experiência, realizada por See et al. (2014), envolveu o uso do aplicativo Cropland Capture[4] para dispositivos móveis e recebeu apoio da rádio pública nacional do jornal inglês The Guardian, além de entrevistas na rádio alemã Deutsche Welle. Também foi produzida uma publicação mensal relatando a experiência.
De novembro de 2013 a abril de 2014, foram recolhidos dados de utilização do aplicativo de 2817 participantes. A tarefa dos participantes consistia em avaliar parte de uma imagem capturada por satélite e definir se aquele trecho poderia ou não ser considerado uma área de plantação, onde a Figura 4 mostra a interface do aplicativo.
Os elementos de gamificação utilizados foram a pontuação, o quadro de líderes e premiações ao final do experimento, com smartphones e tablets. O participante ganhava um ponto por área classificada corretamente. Ao final, 75 participantes foram selecionados e mais de 3,3 milhões de classificações foram realizadas, num total de 137,5 mil áreas analisadas pelos participantes. Algumas áreas foram classificadas mais de 500 vezes.
4.1.6 O projeto FoldIt na descoberta cooperativa de proteínas
O projeto Foldit, lançado a partir de 2008, compreende o uso de uma abordagem gamificada para estimular a colaboração na descoberta de novas combinações de proteínas, de forma a aprimorar suas estruturas. O processo é realizado a partir da movimentação de partes de uma estrutura inicial (folding), utilizando-se uma interface gráfica (Figura 5) que exibe uma pontuação e também uma medição energética associada à proteína, conforme esta vai sendo modificada. A partir de 2010, o projeto Foldit passou a permitir também o compartilhamento das estratégias e soluções já descobertas e utilizadas dentre os participantes, sob a forma de receitas (recipes), para permitir um avanço mais rápido no processo de estruturação. O jogo busca aliar a capacidade humana de resolução de problemas a ferramentas de manipulação de software que traduzem as respostas em algoritmos computacionais, utilizados para reconstruir modelos detalhados de estruturas de proteínas previamente desconhecidas (KHALIB et al, 2011).
O site correspondente (http://www.fold.it) exibe um quadro de líderes com a pontuação e o nome dos oito maiores participantes, e disponibiliza opções de download do aplicativo para execução em diversas plataformas, que incluem o Windows, o Mac e o Linux.
Khatib et al. (2011) realizaram um estudo na Universidade de Washington com base nos resultados atingidos nesse projeto, onde indicaram que o aspecto colaborativo foi essencial para a evolução das proteínas na busca por melhores soluções. Os autores reportaram que, durante os três meses e meio de estudo, 721 participantes executaram 5488 receitas únicas e que 568 participantes escreveram um total de 5202 receitas. O compartilhamento das receitas tornou possível a evolução das estratégias de estruturação por outros participantes, que as aprimoraram, chegando a uma estratégia bastante eficiente, denominada “Blue Fuse”, similar a um algoritmo científico não publicado (Fast Relax). Essa estratégia obteve resultados superiores às estratégias anteriores utilizadas.
Diversos resultados e descobertas científicas importantes associadas ao projeto foram obtidas a partir do uso do aplicativo, que resultaram na elaboração e publicação de mais de quinze artigos científicos na área, disponíveis em https://foldit.fandom.com/wiki/ Interesting_Articles, onde os participantes mais importantes figuraram como coautores.
4.1.7 O projeto OldWeather na transcrição de diários de bordo
O site Old Weather[5], lançado em 2010 e ativo até o final de 2018, buscou envolver cientistas cidadãos na tarefa de transcrever diários de bordo de navios históricos, capturando observações temporais, batalhas e outros acontecimentos. Essa iniciativa fez parte de um projeto maior, o portal Zooniverse, que possui mais de 1,3 milhões de participantes e compreende outros sites de ciência cidadã, com temas tais como espaço, clima, natureza, história, biologia e física, entre outros.
Eveleigh et al. (2014) realizaram, em 2012, uma experiência com o Old Weather, apoiada pela Citizen Science Alliance (CSA), que incluiu membros dos Estados Unidos, Reino Unido e Tailândia. O experimento procurou identificar perfis de contribuição dos cientistas cidadãos e investigar quais aspectos atuam como estímulos ou barreiras para participantes casuais, apontados como a maioria nos projetos de ciência cidadã.
A experiência mensurou durante quatro semanas as contribuições de 299 cientistas cidadãos, selecionados a partir de um convite prévio. Como elemento de gamificação, o site concedeu títulos de “Capitão do Navio” aos participantes que realizaram o maior número de transcrições de diários de bordo. Ao final, foi realizada uma pesquisa sobre a experiência de participação desses voluntários, onde as motivações mais relevantes dentre os participantes incluíram a curiosidade, a competência, o status e a reputação.
Os resultados mostraram que o maior grupo, com 60 participantes, realizou apenas de 0 a 5 transcrições, enquanto poucos participantes contribuíram 40 ou mais vezes, o que apresentou um padrão de contribuições típico de projetos da ciência cidadã, onde houve uma clara distinção entre dois perfis de colaboração dos cientistas cidadãos: os grandes colaboradores e os colaboradores casuais, denominados dabblers. Os grandes contribuíram 1000 vezes mais que os pequenos, foram seis vezes mais propensos a transcrever eventos, e realizaram 500 vezes mais postagens no site. Foi possível verificar ainda que os participantes intrinsecamente motivados produziram resultados melhores e de forma mais participativa do que aqueles engajados apenas por motivações extrínsecas, que apenas contribuíram com um maior número de transcrições. A falta de tempo, habilidade ou sensação de incapacidade foram indicadas como barreiras. Como causas de desistência, a falta de percepção da utilidade das contribuições, o medo de falhar nas contribuições, a monotonia e a falta de tempo disponível foram apontados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho investigou os usos da gamificação na ciência cidadã online, a partir de uma pesquisa da literatura, onde foram selecionadas seis experiências envolvendo uma participação cognitiva dos cientistas cidadãos na classificação de imagens ou objetos. Foram observados a dinâmica de uso dos elementos de jogo e o estímulo destes na motivação e na influência dos participantes, bem como na autonomia e na consciência deles acerca dos objetivos das iniciativas. Observou-se ainda a proceduralidade e os resultados das contribuições nestes ambientes, em termos quantitativos e qualitativos.
Os propósitos principais do uso da gamificação nas experiências de ciência cidadã aqui investigadas foram: atrair novos participantes, que estavam utilizando o ambiente em sua grande maioria pela primeira vez; e de tentar ampliar o seu tempo de permanência nessas iniciativas, evitando um abandono precoce da plataforma, o que foi avaliado como bastante comum na maioria dos projetos ou iniciativas científicas desse tipo.
Nos projetos de ciência cidadã, a produção colaborativa de conhecimentos foi estimulada pelos recursos da gamificação em todos os casos investigados. Contudo, na grande maioria dos projetos, isto ocorreu em “via de mão única”, onde os cientistas cidadãos não obtiveram um retorno significativo de seu trabalho, exceto pelas “recompensas” oferecidas pelo próprio ambiente de gamificação. As exceções foram o projeto Foldit, que desencadeou a publicação de vários artigos científicos envolvendo os participantes como coautores, e o site BudBurst, que permitiu o download dos resultados. Uma apropriação do trabalho voluntário, por conta da gamificação foi observada em alguns casos, onde o esforço de participação decorrente de uma mobilização colaborativa destas iniciativas foi "capturado" pela plataforma para outros fins, numa atuação “parasitária” (ALBAGLI; MACIEL, 2012) Alguns resultados permaneceram inacessíveis aos participantes, reforçando uma ausência no compartilhamento das informações.
Os principais recursos de gamificação adotados nas iniciativas analisadas foram a pontuação, as insígnias e os quadros de líderes, seguindo uma tendência de experiências em outras áreas (corporativa e universitária) (BRAZIL; ALBAGLI, 2016). O ganho de pontos e objetos digitais como recompensas pela performance na participação desencadeou uma "comodificação" das ações em atos produtivos (KIRKPATRICK, 2015).
O desejo de participação e contribuição significativa esteve presente como fator motivacional mais relevante nas iniciativas observadas. Além desses, foram também ressaltados a diversão, obtenção de conhecimento e o espírito de competição. O fator reputação também teve seu impacto geral avaliado como de médio a alto nos resultados.
Apesar dos resultados da gamificação na ciência cidadã online terem sido considerados positivos pela maioria dos autores, foi observado um grande desequilíbrio nas contribuições por participante, onde 99% deles contribuiu muito pouco em relação àqueles que somam 1%. Isto evidenciou uma falta de sensibilização do público pelos recursos da gamificação. Tal padrão confirmou-se também nas iniciativas StarDust, OldWeather, e em ambientes corporativos (BRAZIL; ALBAGLI, 2016). Tal estratégia de contabilizar a atuação e a reputação dos participantes apenas sob a forma de pontos, na maioria dos casos se mostrou pouco significativa quando comparada a outros fatores relevantes apontados por Deterding (2011). Os aplicativos, em geral, também não dispunham de interfaces para interações sociais, o que pode ter contribuído para agravar este desfecho.
Uma produção voluntária, onde a autonomia do participante existiu mas ficou restrita às opções, o que caracterizou a maioria destes ambientes como procedurais, modulados e homogeneizados, características observadas em Dewinter, Kocurek e Nichols (2014). O agenciamento coletivo se deu pela inscrição nos respectivos sites, onde o participante atuou como um componente de uma operação internacional de classificação de imagens. Os projetos Foldit e Budburst foram exceções, com ambientes que apresentaram maior liberdade, mais formas de atuação e opções de contribuição.
A consciência dos participantes acerca do propósito da gamificação, dos elementos de gamificação e da manutenção da sua autonomia e do voluntariado foi observada nas iniciativas investigadas o que reforçou uma autodeterminação nos participantes, aspecto considerado relevante para Kim e Werbach (2016) em processos de gamificação.
Observou-se uma confirmação parcial da hipótese do uso instrumental da gamificação, utilizada para mobilizar e amplificar tanto o público alvo envolvido quanto a sua permanência na realização das atividades propostas, por meio de recompensas de participação. Por outro lado, se mostrou direcionadora da produção e do modo de atuação dos participantes, através das escolhas pré-configuradas nas interfaces, e por meio do monitoramento das ações e dos desafios propostos no ambiente. Tais situações podem induzir os participantes a comportamentos específicos previamente definidos em função das estratégias idealizadas pelos administradores, o que pode vir a reforçar uma perspectiva mais instrumental da participação cidadã na produção da ciência.
Resumo
Main Text
1 INTRODUÇÃO
2 GAMIFICAÇÃO: ANTECEDENTES, DEFINIÇÕES E TÉCNICAS
3 O MODO DE PRODUÇÃO DOS AMBIENTES GAMIFICADOS
4 A GAMIFICAÇÃO NA CIÊNCIA CIDADÃ
4.1 Experiências de gamificação em ciência cidadã
4.1.1 Stardust@home na classificação de imagens espaciais
4.1.2 O projeto Tiger Nations na identificação de fotos de animais
4.1.3 O aplicativo BioTracker na classificação de plantas
4.1.4 O portal CitizenSort e a plataforma de classificação HappyMatch
4.1.5 O aplicativo CropLand Capture no mapeamento de áreas de terra
4.1.6 O projeto FoldIt na descoberta cooperativa de proteínas
4.1.7 O projeto OldWeather na transcrição de diários de bordo
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS