Paradoxos feministas: o discurso punitivsta contra a violência de gênero

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/1807-1384.2021.e75974

Resumo

O artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de se conceber o Direito Penal como aliado no enfrentamento do problema da violência de gênero no contexto brasileiro. A pesquisa se desenvolve a partir de uma revisão bibliográfica e adota como marcos teóricos Michel Foucault e Judith Butler, críticos do discurso feminista universalizante que defende a criminalização da violência de gênero e o incremento do poder punitivo, tendências, estas, características de tempos conservadores. Inicialmente as Leis Maria da Penha e do Feminicídio são criticamente analisadas, de modo a demonstrar como o discurso jurídico-penal, legitimado por demandas feministas, não apenas representa e reconhece os sujeitos merecedores de proteção, mas produz as identidades que serão protegidas pelo Estado, impondo requisitos para que a mulher goze dessa proteção. Deste modo, verifica-se que o discurso criminalizador, impulsionado por discursos feministas hegemônicos conservadores, acaba por proteger exclusivamente a mulher, cis, heterossexual, paradoxalmente negando direitos às mulheres trans, lésbicas, por exemplo, que escapam aos padrões de gênero, desejo e sexualidade impostos pelo processo de heteronormalização. Por fim, para superar tal paradoxo, reflete-se, a partir do pensamento foucaultiano, sobre a possibilidade da concepção de um direito novo, construído a partir de uma perspectiva pós-identitária, apta a fomentar práticas de resistência às tecnologias heteronormalizadoras e excludentes.

Biografia do Autor

Clara Maria Roman Borges, Universidade Federal do Paraná

Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná

Professora Associada no Curso de Graduação e no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná

Bruna Amanda Ascher Razera, Universidade Federal do Paraná

Mestre e Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná

Referências

ALMEIDA, Tania Mara Campos de; PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Violência doméstica e familiar contra mulheres pretas e pardas no Brasil: reflexões pela ótica dos estudos feministas latino-americanos. Crítica e Sociedade: revista de cultura política, v. 2, n. 2, p. 42-63, 2012.

ANDRADE, Mailô de Menezes Vieira. Perspectivas feministas em criminologia: a interseccionalidade entre gênero, raça e classe na análise do estupro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 2018, p. 08-31, 2018.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, v. 26, n. 50, p. 71-102, 2005.

BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. São Paulo: Sueli Carneiro/Pólen, 2019.

BUTLER, Judith. Cuerpos aliados y lucha política: hacia una teoria performativa de la asamblea. Trad. María José Viejo, Buenos Aires: Paidós, 2017.

BUTLER, Judith. Cuerpos que importan: sobre los limites materiales y discursivos del “sexo”. Trad. Alcira Bixio. 2a. ed. Buenos Aires, Paidós, 2008.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista. Revista Sistema penal e violência. Porto Alegre, v. 7 n. 1, jan-jun, p. 103-115, 2015.

CASTRO, Suzana. Condescendências: estratégia pater-colonial de poder. In: Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Org. Heloisa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

DAVIS, Angela. Are prisions obsolete? New York: Seven Stories Press, 2003.

FACHINETTO, Rochele Felini. Quando eles as matam e quando elas os matam: uma análise dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida de Estado. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade Nacional de Brasília. Brasília, 2006.

FLAUZINA, Ana. Lei Maria da Penha: entre os anseios da resistência e as posturas da militância. In: Discursos negros: legislação penal, política criminal e racismo. Org. Ana Flauzina, Felipe Freitas, Hector Vieira e Thula Pires. Brasília: Brado Negro, 2018.

FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e o direito. São Paulo: Max Limonad, 2002.

FOUCAULT, Michel. Aula de 14 de janeiro de 1976. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 13ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. e Org. Roberto Machado. 13ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. In: Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Org. Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

HARDING, Sandra. The feminist standpoint theory reader. New York: Routledge, 2004.

HARRIS, Angela P. Race and Essentialism in Feminist Legal Theory. Stanford Law Review, v. 42, n. 3, p. 581-616, 1990.

HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). Interseccionalidades: pioneiras do feminismo negro brasileiro (Beatriz Nascimento, Lélia Gonzales, Sueli Carneiro). Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2018.

JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2. ed. Brasília, 2012.

KARAM, Maria Lúcia. Violência de gênero: o paradoxal entusiasmo pelo rigor penal. Boletim do IBCCRIM, v. 14, n. 168, p. 6-7, 2006.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer – uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 541-553, 2001.

LUGONES, María. Colonialidad y gênero. Tabula [online], n.9, pp.73-102, 2008.

MACEDO, Ana Gabriela. Pós-feminismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 813, set. 2006.

MASIERO, Clara Moura. Lutas sociais e política criminal: os movimentos feministas negro e LGBTQ e a criminalização da violências machista, racista e LGBTfóbica no Brasil. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2018.

MAYORGA, Claudia et al. As críticas ao gênero e a pluralização do feminismo: colonialismo, racismo e política heterossexual. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 2, p. 463-484, nov. 2013.

MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MESQUITA, Luisa Angélica Mendes. Violência de Gênero e Direito Penal: Tipificação do Feminicídio e Possíveis Respostas Penais. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política Criminal - UFRGS, v. 6, n. 2, 2018.

MIÑOSO, Yuderkis Espinosa. Fazendo uma genealogia da experiência: o método rumo a uma crítica da colonialidade da razão feminista a partir da experiência histórica latino-americana. In: Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 97-118, 2020.

MONTENEGRO, Marilia. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

PELÚCIO, Larissa. O Cu (de)Preciado – estratégias cucarachas para não higienizar o queer no Brasil. Revue d’études iberiques et ibéro-americaines. n. 9, Printemps, p. 123-135, 2016.

PIRES, Thula Oliveira. Racializando o debato sobre direitos humanos: limites e possibilidades da criminalização no Brasil. Sur-Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 15, n. 28, p. 65-75, 2018.

PIRES, Thula Oliveira; SOUZA, Luanna Tomaz. É possível compatibilizar abolicionismos e feminismos no enfrentamento às violências cometidas contra as mulheres?. Revista Direitos Culturais, v. 15, n. 35, p. 129-157, jan/abr. 2020.

PRECIADO, Beatriz. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11, jan. 2011.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2005.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.

SANTOS, Cecília Macdowell. Da delegacia da mulher à Lei Maria da Penha: absorção/tradução das demandas feministas pelo Estado. Revista Crítica de Ciências Sociais, 89, junho, p. 153-170, 2010.

SIERRA, Jamil Cabral. Que quer o queer? Sobre o contexto de emergência e suas contribuições aos deslocamentos pós-identitários. In: Políticas não identitárias. Org. Angela Couto Machado Fonseca; Daniel Verginelli Galantin; Thiago Fortes Ribas, p. 137-160. São Paulo: Intermeios, 2017.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. El discurso feminista y el poder punitivo. Las trampas del poder punitivo. Buenos Aires: Biblos, 2000.

Downloads

Publicado

08.03.2021

Edição

Seção

Artigo Eixo Temático: (Re)discutindo sexualidade: corpo, prazer e desejo em tempos conservadores