Pelos fios da memória: infância e ancestralidade em "Ponciá Vicêncio"
DOI:
https://doi.org/10.5007/2175-7917.2019v24n2p2Resumo
A escritora mineira Conceição Evaristo traz como marca a produção literária nascida da experiência de vida do sujeito negro na sociedade brasileira, o que abala a estruturas e padrões literários hegemônicos. Neste artigo, discute-se a temática da infância na obra de Conceição Evaristo, Ponciá Vicêncio, que também pode ser lida como uma quebra de padrões ao oferecer protagonismo à criança. Como veremos, neste romance, a infância das personagens, transita historicamente entre passado e presente, descrevendo as diferentes formas de aprendizagem, brincadeiras, fantasias, violência e opressão, em consonância com a herança identitária das personagens, que adultas repensam o olhar e o sentir da criança. Numa sociedade que prioriza o olhar do adulto experiente, a criança pequena e negra, adquire centralidade e pode narrar seus percursos, a partir da sua condição social, racial e também de gênero. Como se observará, uma crítica social ao passado escravista perpassa todo o livro. O romance é constituído a partir de uma estrutura sinuosa, uma vez que sua leitura depende das lembranças da personagem principal, que ingressa em diversos labirintos até encontrar uma saída para seu sofrimento e inanição, diante da situação de desigualdade social e racial vivenciada por ela e por sua família. Neste sentido, Evaristo nos apresenta a possibilidade de pensar a infância de maneira plural, pois nos convida a repensarmos na concepção do que é o universo infantil para além da inocência, do paraíso perdido, dos brinquedos coloridos, e dos bancos escolares normatizadores.
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