Corpos bombados e desviantes? Anabolizantes e moralidades na musculação

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/2175-8034.2023.e85195

Palavras-chave:

Anabolizantes, Medicamentos, Drogas, Academia de ginástica, Etnografia

Resumo

Fundamentado pelos pressupostos teórico-metodológicos da Sociologia do Desvio, o presente estudo teve como objetivo compreender as lógicas do consumo de anabolizantes na musculação de uma academia de ginástica situada em um bairro popular carioca. Trata-se de uma etnografia em um estabelecimento à margem de uma favela carioca durante um ano entre 2012 e 2013. Os achados da presente pesquisa apontaram que o consumo de anabolizantes pelos frequentadores era geralmente naturalizado, mas visto como ato desviante a depender das situações e dos grupos sociais que compartilhavam esses produtos. Conclui-se que a teoria do desvio contribui para o entendimento dos usos de tais substâncias pela óptica sociocultural local e não somente do ponto de vista legal ou da racionalidade biomédica, potencializando, assim, discussões de dados fundamentais para a intervenção profissional nesses estabelecimentos ou para programas e políticas públicas de saúde pública sobre drogas e medicamentos.

Biografia do Autor

Alan Camargo Silva, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Professor do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Desportos de Campo e de Quadra da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEFD/UFRJ). Coordenador do Grupo de Trabalho Temático Corpo e Cultura do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (GTTCC/CBCE).

Jaqueline Ferreira, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Médica de Família e Comunidade, Antropóloga, Professora Associada do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ).

Referências

ALVES, Ygor Diego Delgado; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. Antropologia e a questão das drogas: um século de embates políticos e teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 90, p. 1-23, 2019.

ANDREWS, Gavin; SUDWELL, Mark; SPARKES, Andrew. Towards a geography of fitness: an ethnographic case study of the gym in British bodybuilding cultura. Social Science & Medicine, Oxford, v. 60, n. 4, p. 877-891, 2005.

BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar dados etnográficos. Petrópolis: Vozes, 2007.

BECKER, Howard. A escola de Chicago. Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 177-188, 1996. BECKER, Howard. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.

BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BHASIN, Shalender et al. Anabolic-androgenic steroid use in sports, health, and society. Medicine & Science in Sports & Exercise, Indianapolis, v. 53, n. 8, p. 1.778-1.794, 2021.

BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: RICHARDSON, John (ed.). Handbook of theory and research for the Sociology of Education. Westport: Greenwood, 1986. p. 241-258.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria n. 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de maio de 1998.

BRASIL. Ministério da Casa Civil. Lei n. 9965, de 27 de abril de 2000. Restringe a venda de esteróides ou peptídeos anabolizantes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 de abril de 2000.

BRASIL. Ministério da Casa Civil. Secretaria-Geral. Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 de agosto de 2006.

BRITO, Ariane; FARO, André. Significações atribuídas aos anabolizantes: um embate entre o desejo e o risco. Psicologia, Saúde & Doenças, Lisboa, v. 18, n. 1, p. 102-114, 2017.

CESARO, Humberto Luís; FRAGA, Alex Branco. Não pode ser na seringa, tem que ser no muque: masculinidades e práticas corporais de hipertrofia numa academia de Porto Alegre. Revista Didática Sistêmica, Rio Grande, v. 15, n. 1, p. 84-98, 2013.

CHAVES, Simone Freitas. No labirinto dos espelhos: o corpo e os esteróides anabolizantes. Niterói: Nitpress, 2009.

CICOUREL, Aaron. Teoria e método em pesquisa de campo. In: ZALUAR, Alba. (org.). Desvendando máscaras sociais. São Paulo: Francisco Alves, 1980. p. 87-121.

COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas: Papirus, 1995.

DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.

DARTORA, William Jones; WARTCHOW, Krista Minéia; ACELAS, Alba Luz Rodríguez. O uso abusivo de esteroides anabolizantes como um problema de saúde pública. Revista Cuidarte, Bucaramanga, v. 5, n. 1, p. 689-693, 2014.

FAINZANG, Sylvie. Médicaments et société. Paris: PUF, 2001.

GEERTZ, Clifford. Estar lá, escrever aqui. Diálogo, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 58-63, 1989.

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GOFFMAN, Erving. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Petrópolis: Vozes, 2011.

HALLAL, Pedro Curi; KNUTH, Alan Goularte. Epidemiologia da atividade física e a aproximação necessária com as pesquisas qualitativas. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 1, p. 181-192, 2011.

IRIART, Jorge Alberto Bernstein; ANDRADE, Tarcísio Matos. Musculação, uso de esteróides anabolizantes e percepção de risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 5, p. 1.379- 1.387, 2002.

IRIART, Jorge Alberto Bernstein; CHAVES, José Carlos; ORLEANS, Roberto Ghignone. Culto ao corpo e uso de anabolizantes entre praticantes de musculação. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 773-782, 2009.

MACHADO, Eduardo Pinto; FRAGA, Alex Branco. Ratos de academia on-line: debates sobre musculação em um fórum virtual. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 25, n. 1, p. 141-150, 2017.

MACHADO, Eduardo Pinto; FRAGA, Alex Branco. Anabolizantes na graduação em Educação Física: um dilema ético-sanitário entre estudantes que praticam fisiculturismo. Journal of Physical Education, Maringá, v. 31, e3166, 2020.

MARINHO, Julio Cesar Bresolin; SILVA, João Alberto. Análise moral e ética no cuidado com a saúde de adolescentes cabo-verdianos e brasileiros referente ao consumo de cigarros, álcool, drogas e anabolizantes. Ciência & Educação, Bauru, v. 25, n. 2, p. 297-315, 2019.

MEDEIROS, Cristina Carta Cardoso. Habitus e corpo social: reflexões sobre o corpo na teoria sociológica de Pierre Bourdieu. Movimento, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 281-300, 2011.

MONAGHAN, Lee. Vocabularies of motive for illicit steroid use among bodybuilders. Social Science & Medicine, Oxford, v. 55, n. 5, p. 695-708, 2002.

MORAES, Danielle Ribeiro. Entre tiro, porrada e bomba: esteroides anabolizantes androgênicos, gerencialismo arriscado e os discursos médicos moralizantes. 2016. 165p. Tese (Doutorado em Ciências) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2016.

OLIVEIRA JÚNIOR, Edyr Batista de. “Cada um sabe do seu próprio corpo”: masculinidades, projetos corporais e treinos. 2017. 246p. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal do Pará, 2017.

PALMA, Alexandre; ASSIS, Monique. Uso de esteróides anabólico-androgênicos e aceleradores metabólicos entre professores de Educação Física que atuam em academias de ginástica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 27, n. 1, p. 75-92, 2005.

PEIRANO, Mariza. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 20, n. 42, p. 377-391, 2014.

RODRÍGUEZ, Francisco Javier Cortazar. Sobreviviendo a la pandemia. Estrategias de gimnasios frente a los efectos del Covid-19. In: SILVA, Alan Camargo (org.). Corpo e práticas corporais em academias de ginástica. Curitiba: Editora Bagai, 2022. p. 201-216.

SÁ, Gabriel Salgado Ribeiro de. Broscience: uma análise sobre o consumo de medicamentos entre fisiculturistas. Ilha – Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 178-198, 2023.

SABINO, César. O uso ritual de esteróides anabolizantes em academias de musculação: uma abordagem antropológica. Arquivos em Movimento, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7-16, 2005.

SILVA, Alan Camargo. “Limites” corporais e risco à saúde na musculação: etnografia comparativa entre duas academias de ginástica cariocas. 2014. 446p. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

SILVA, Alan Camargo. Corpos no limite: suplementos alimentares e anabolizantes em academias de ginástica. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.

SILVA, Alan Camargo. Uma etnografia encarnada: imagens e identidades corporais de um pesquisador em uma academia de ginástica. In: FERREIRA, Jaqueline; BRANDÃO, Elaine Reis (org.). Reflexividade na pesquisa antropológica em saúde: desafios e contribuições para a formação de novos pesquisadores. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2021. p. 183-207.

SILVA, Alan Camargo; FERREIRA, Jaqueline. “Homens bombados e embalados”: masculinidades e músicas sobre anabolizantes em uma academia de ginástica. Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 25, n. 267, p. 2-20, 2020.

TRAMONTANO, Lucas. “Otimizar o desempenho muscular e estético”: interseções de diagnósticos, sintomas e desejos no uso da testosterona como aprimoramento. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 108-125, 2018.

VELHO, Gilberto. Observando o familiar. In: VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 121-132.

VELHO, Gilberto. Nobres e anjos: um estudo de tóxicos e hierarquia. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1998.

VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

VELHO, Gilberto. Goffman, mal-entendidos e riscos interacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 68, p. 145-148, out. 2008.

VELHO, Gilberto. Antropologia urbana: encontro de tradições e novas perspectivas. Sociologia, Problemas e Práticas, Lisboa, n. 59, p. 11-18, 2009.

WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

WHYTE, William Foote. Treinando a observação participante. In: ZALUAR, Alba (org.). Desvendando máscaras sociais. São Paulo: Francisco Alves, 1980. p. 77-86.

WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana e degradada. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

Downloads

Publicado

2023-09-23

Como Citar

SILVA, Alan Camargo; FERREIRA, Jaqueline. Corpos bombados e desviantes? Anabolizantes e moralidades na musculação. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 25, n. 3, 2023. DOI: 10.5007/2175-8034.2023.e85195. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/85195. Acesso em: 9 maio. 2024.

Edição

Seção

Artigos