“Se é para jogar dominó, eu jogo em casa”: reflexões sobre a ociosidade em serviços de saúde mental

Conteúdo do artigo principal

Andreza Abreus de Moura
https://orcid.org/0000-0002-2731-913X
Charmênia Maria Braga Cartaxo
Maria Cristina de Azevedo Mendonça

Resumo

O presente artigo foi desenvolvido a partir de reflexões geradas durante a experiência do primeiro ano do Programa de Residência de Psicologia em Saúde Mental do Hospital Ulysses Pernambucano/Universidade de Pernambuco. A fala de um usuário de um CAPS Transtorno  – "se for pra jogar dominó, eu jogo em casa" (sic) – foi o ponto de partida no qual foi formulada a indagação sobre em quais momentos o ócio pode ser entendido como terapêutico ou como alienante para o sujeito. Se alinhado às diretrizes da Reforma Psiquiátrica, a função do profissional de saúde é investir numa clínica que priorize o singular e, para tanto, a sua noção de reabilitação deve englobar processos de negociação os quais podem ser operados através da implicação dos sujeitos em seu próprio cuidado, juntamente com outros atores com os quais faz laço social. Assim, o Projeto Terapêutico Singular parece ser um dispositivo potente para o manejo de fenômenos tais como a ociosidade, que parecem gerar entraves aos processos de cuidados em saúde, tanto por parte dos agentes de saúde, quanto dos usuários. Para compreender se a ociosidade é alienante ou é terapêutica, é preciso, pois, avaliar, caso a caso, qual a significação que cada sujeito dá à mesma.

Detalhes do artigo

Como Citar
DE MOURA, Andreza Abreus; BRAGA CARTAXO, Charmênia Maria; DE AZEVEDO MENDONÇA, Maria Cristina. “Se é para jogar dominó, eu jogo em casa”:: reflexões sobre a ociosidade em serviços de saúde mental. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, [S. l.], v. 15, n. 42, p. 106–128, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/75083. Acesso em: 13 out. 2024.
Seção
Artigos originais
Biografia do Autor

Andreza Abreus de Moura, Universidade Federal de Pernambuco

Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Saúde Mental pela Universidade de Pernambuco.

Charmênia Maria Braga Cartaxo, Coordenadora Acadêmica do Programa de Residência de Psicologia em Saúde Mental da Universidade de Pernambuco/HUP

Mestre em Psicologia da Educação e Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco.

Maria Cristina de Azevedo Mendonça

Especialização em Psicologia clínica preventiva pela Sociedade de Psicologia Clínica de São Paulo e em Formação de psicanalista pelo Círculo Psicanalítico de Pernambuc. Ex-coordenadora clínica do Programa de Residência de Psicologia em Saúde Mental da Universidade de Pernambuco.

Referências

AGUIAR, A.; COSTA, A. Os caminhos da loucura: Recortes sobre o papel do louco e os cuidados em saúde mental na história. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 14, n. 38, p. 74–90, 2022.

AMARANTE, P. (Coord.) Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 5ª reimpressão - 2 ed., revista e ampliada: Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010.

AMARANTE, P.; TORRE, E. H. G.. “De volta à cidade, sr. cidadão!” - reforma psiquiátrica e participação social: do isolamento institucional ao movimento antimanicomial. Revista de Administração Pública, v.52, n.6, 2018.

ANDRADE, M. C.; COSTA-ROSA, A. O encontro da loucura com o trabalho: concepções e práticas no transcurso da história. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 7, n. 1, p. 27-41, 2014.

ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

BATISTA, M. D. G. Breve história da loucura, movimentos de contestação e reforma psiquiátrica na Itália, na França e no Brasil. Política & Trabalho, n. 40, 2014.

BERTRAND, R. Elogio ao Ócio. A Economia do Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

BRAGA, C. P.. A perspectiva da desinstitucionalização: chaves de leitura para compreensão de uma política nacional de saúde mental alinhada à reforma psiquiátrica. Saúde E Sociedade, v. 28, n. 4, p.198-213, 2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

______. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 336, de 19 de fevereiro de 2002. Define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial. Diário Oficial da União. Brasília: Ministério da Saúde, 2002

______. Ministério da Saúde. Portaria n. 3088 de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. Brasília: Ministério da Saúde, 2011

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mental. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Cadernos de Atenção Básica, n. 34– Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

______. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017. Altera as Portarias de Consolidação no 3 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a Rede de Atenção Psicossocial, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

______. Ministério da Saúde. Nota Técnica n. 11, de 04 de fevereiro de 2019. Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Diário Oficial da União. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

CERQUEIRA CORREIA, L.; ALMEIDA, O. M. de. A luta antimanicomial continua! Problematizações sobre o manicômio judiciário na perspectiva da Reforma Psiquiátrica brasileira. InSURgência: Revista de direitos e movimentos sociais, v. 3, n. 2, p. 319–347, 2018.

DE MASI, D., PALIERI, M. S. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

DELGADO, P. G. G. Democracia e reforma psiquiátrica no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, p. 4701–4706, 2011.

DELGADO, P.; ALEXANDRE, J.; OLIVEIRA, J.; CARVALHO, H.; CARVALHO, J. M. S. O papel do ócio no bem-estar das crianças. In: Libro de Comunicaciones Completas y Conclusiones del Congresso Internacional – XXXI Seminario Interuniversitario de Pedagogía Social: "Pedagogía social, investigación y familias" Palma de Maiorca, España, 2018. P. 43-58, 2018.

DIMENSTEIN, M. O desafio da política de saúde mental: a (re) inserção social dos portadores de transtornos mentais. Mental, v. 4, n. 6, p. 69–83, 2006.

FIGUEIREDO, L. C. M. Cuidado e saúde: uma visão integrada. In: ______. Cuidado, saúde e cultura: trabalhos psíquicos e criatividade na situação analisante. São Paulo: Escuta, p. 9-29, 2014.

FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.

GAMBATTO, R.; SILVA, A. L. P. Reforma Psiquiátrica e a Reinserção do Portador de Transtorno Mental na Família. Psicologia Argumento, v. 24, n. 45, p. 25–33, 2017.

GRUSKA, V.; DIMENSTEIN, M. Reabilitação Psicossocial e Acompanhamento Terapêutico: equacionando a reinserção em saúde mental. Psicologia Clínica, v. 27, n. 1, p. 101–122, 2015.

LIMA, R. C. The rise of the Psychiatric Counter-Reform in Brazil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 29, n. 1, 2019.

MACHADO, P. F.; SCARPARO, B. H.; HERNANDEZ, A. R. C. Narrativas do silêncio: movimento da luta antimanicomial, psicologia e política. Revista Psicologia Política, v. 15, n. 34, p. 599–616, 2015.

MARKOVÁ. I. S.; BERRIOS G. E. Research in Psychiatry: Concepts and Conceptual Analysis. Psychopathology, v. 49, p.188-194, 2016.

MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M. Redes vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. In: Emerson Elias Merhy Rossana Staevie Baduy Clarissa Terenzi Seixas Daniel Emilio da Silva Almeida Helvo Slomp Júnior (Orgs.). Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis, p. 31-42, 2016.

OLIVEIRA, M. G. A. Bioética e Saúde Mental: o projeto terapêutico singular como materialização do respeito à autonomia e à dignidade humana. Cadernos do Cuidado, v. 2, n. 1, 2018.

PACHECO, M.; BEZERRA, S.; CAVALCANTE, S.; DE SOUSA, L.; FERREIRA, K.; LEMOS, P.. Saúde Mental e inclusão social: Um estudo de revisão sistemática da literatura. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v.8, n.18, p.43-54, 2016.

PEREIRA, E. C.; COSTA-ROSA, A. Problematizando a Reforma Psiquiátrica na atualidade: a saúde mental como campo da práxis. Saúde e Sociedade, v. 21, p. 1035–1043, 2012.

PITTA, A. M. F.; GULJOR, A. P. A violência da contrarreforma psiquiátrica no Brasil: um ataque à democracia em tempos de luta pelos direitos humanos e justiça social. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 246, p. 6-14, 2019.

PROVIDELLO, G. G. D.; YASUI, S. A loucura em Foucault: arte e loucura, loucura e desrazão. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 20, n. 4, p. 1515–1529, 2013.

RIBEIRO, M. C.; BEZERRA, W. C. A reabilitação psicossocial como estratégia de cuidado: percepções e práticas desenvolvidas por trabalhadores de um serviço de saúde mental. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 26, n. 3, p. 301–308, 2015.

ROSA, J. C.; CAVIQUIOLI, S. P. O Direito e a Política de Saúde Mental: A conscientização familiar dos pacientes psiquiátricos. Ponto de Vista Jurídico, v. 4, n. 1, p. 158-197, 2015.

SAMPAIO, M. L.; BISPO JÚNIOR, J. P. Entre o enclausuramento e a desinstitucionalização: a trajetória da saúde mental no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, 2020.

SANTOS, L. S. DOS; KLEIN, C.; MARSILLAC, A. L. M. DE; KUHNEN, A. Laços com a loucura: a cidade como espaço de promoção de saúde mental. Barbarói, v. 1, n. 53, p. 208-226, 2019.

TEIXEIRA, M. O. L., Pinel e o nascimento do alienismo. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 19, n. 2, p.540-560, 2019.

TRAJANO, M. P.; BERNARDES, S. M.; ZURBA, M. C. O cuidado em saúde mental: caminhos possíveis na rede de atenção psicossocial. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 10, n. 25, p. 20-37, 2018.

TRAPÉ, T. L.; CAMPOS, R. O. The mental health care model in Brazil: analyses of the funding, governance processes, and mechanisms of assessment. Revista de Saúde Pública, v. 51, 2017.