PRORROGAÇÃO PRAZO PARA ENVIO DOSSIÊ "ESTUDOS SOCIAIS DE INOVAÇÃO"

2022-08-05

Prorrogamos o prazo de envio de artigos temáticos até dia 29/08/22!!!

RESUMO DA PROPOSTA: 

Estudos como o realizado por Fagerberg, Fosaas e Sapprasert (2012) apontam para o expressivo crescimento de publicações científicas abordando o tema da inovação ao longo do século passado e, principalmente, no início do atual. Para os chamados Estudos de Inovação (Innovation Studies), o tema abrange aspectos sociais, políticos, culturais, jurídicos e territoriais que extrapolam a visão restrita de inovação como algo necessariamente positivo e limitada ao desenvolvimento tecnológico. Composto por uma multiplicidade de pequenos grupos de pesquisa em diversos países, ligados a uma ampla comunidade científica, este campo caracteriza-se por um enfoque cognitivo compartilhado e por um conjunto de referências comuns sobre inovação. Todavia, devido ao caráter essencialmente limítrofe e multifacetado do tema, os Estudos de Inovação tendem a extrapolar as fronteiras das disciplinas acadêmicas tradicionais, abarcando uma série de contribuições de diversas áreas do conhecimento científico, tais como a Economia, Engenharias, Geografia, Administração, Design e Sociologia.

Apesar deste caráter interdisciplinar dos Estudos de Inovação, cabe destacar o papel preponderante das Ciências Econômicas na construção do campo e a ausência de algo análogo por parte das Ciências Sociais. Uma das consequências dessa ausência é a difusão entre gestores públicos e privados do discurso da inovação como algo necessariamente positivo, consensual e desejável, contrastando na maioria das vezes com as práticas que se verificam em nosso País. Inovar tornou-se palavra de ordem para empresas, nos mais variados setores da economia, e governos de todas as dimensões e orientações, mesmo que sua prática nem sempre guarde correspondência com tal discurso. Exemplos disso podem ser encontrados na onipresença do termo e no uso quase mítico que o mundo dos negócios atribui à inovação (LEARY, 2019) ou, mais concretamente, no recente "Plano de Ação para a Inovação", acordado pelos países do G20, em sua Cúpula de Hangzhou, em setembro de 2016. Além desse consenso em torno do papel da inovação no desempenho econômico e na formulação de políticas públicas para a solução de problemas, a crescente relevância do conceito de inovação pode ser percebida, também, na bibliografia acadêmica sobretudo com origem nas ciências econômicas e administração.

Essa “ausência” das Ciências Socais não se justifica por falta de contribuições seminais, uma vez que existe uma longa tradição de estudos sociológicos que abordam o tema da inovação e da mudança social.

Ainda que por vezes esta contribuição não ocorra de forma explícita, grande parte dos autores clássicos, ao abordar as mudanças vinculadas ao capitalismo, já apresenta uma perspectiva particular sobre o dinamismo da sociedade moderna e sua ligação com a introdução de inovações nos modos de produção e consumo. Portanto, as Ciências Sociais possuem uma extensa e ampla contribuição para os Estudos de Inovação, pois tem como tradição abordar a inovação não apenas como um processo econômico de mudança tecnológica, mas como um processo social, intimamente vinculado ao modo de produção capitalista e a fatores institucionais e relacionais.

Estas contribuições vão desde Marx, com suas análises sobre a introdução de novidades tecnológicas na estrutura da sociedade capitalista e a consequente alteração nas relações de poder e produção de dinâmicas de conflito, passa pelos conceitos de efervescência na teoria durkheimiana, pelo conceito de carisma na teoria weberiana e chega até Simmel e os estudos sobre a emergência de uma nova mentalidade econômica a partir de indivíduos socialmente marginais.

Embora grande parte das pesquisas sobre o assunto enfoque mudanças tecnológicas (EDQUIST, 2001), o conceito de inovação pode envolver acepções muito mais amplas. É o caso dos estudos precursores sobre o tema, como as pesquisas do antropólogo norte-americano Homer Barnett (1953). Em sua obra “Innovation: the basis of cultural change”, inovação é definida como “qualquer pensamento, comportamento ou coisa que é nova, em função de sua diferença qualitativa, em relação às formas existentes” (BARNETT, 1953, p.721, tradução nossa). Nesse estudo sobre mudança cultural em diferentes etnias, o autor explora os condicionantes e mecanismos da inovação, concebida como a introdução de qualquer novidade que produza mudança em um contexto sociocultural. Trata-se de um entendimento correlato à ideia de inovação como mudança social em relação a uma ordem existente.

O sociólogo rural Everett Rogers (1995) é outro precursor dos estudos sobre inovação que adota, já em 1962, uma definição mais ampla do conceito. Segundo Rogers (1995, p.11), inovação é “uma ideia, prática ou objeto que é percebida como nova por um indivíduo ou outra unidade de adoção. Pouco importa, no que diz respeito ao comportamento humano, se a ideia é ou não ‘objetivamente’ nova”. Para Rogers, em sua análise da difusão da inovação, o ponto central é a percepção de novidade relativa a uma ideia, prática ou objeto e a forma como ela se difunde (canais de comunicação) no interior de um sistema social.

Essas leituras mais amplas acerca da inovação, junto às ideias de Fritz Schumacher e do conceito de tecnologia apropriada, vão fornecer as bases para desdobramentos posteriores sobre o tema, os quais desaguaram na retomada da noção de inovação social (DAGNINO, 1976). Essa noção não é propriamente nova, mas recupera a ideia de inovação como mudança nas relações e formas de organizações sociais, além de incorporar a ideia de inovação inclusiva. Uma inovação voltada para a produção de novos produtos, processos e serviços destinados às necessidades e interesses de populações excluídas, de forma a promover melhorias na sua qualidade de vida (HEEKS, et. al., 2013).

Em um registro mais recente, diferentes estudos buscaram compreender os mecanismos e as condições que favorecem a geração e a difusão de inovações econômicas, chamando a atenção para a sua contribuição na identificação e solução de problemas produtivos, na elevação da produtividade e na melhoria dos patamares de renda. Por exemplo, a importância do contexto socioinstitucional (tradição “macro”) para a inovação foi revitalizada por estudos comparativos de economia política sobre modelos de capitalismo (HALL; SOSKICE, 2001) e sobre as diferentes estratégias de Estados na promoção da inovação (BLOCK, 2008; BLOCK; KELLER, 2011; MAZZUCATO, 2015).

Já o papel de fatores sociorrelacionais encontrou espaço nas reflexões da abordagem estrutural das redes de interação. Isto envolve desde estudos sobre clusters high tech como o Silicon Valley e seu dinamismo inovativo baseado em uma rede complexa de atores heterogêneos e complementares (FERRARY; GRANOVETTER, 2009), até pesquisas sobre a importância de conexões homogêneas locais em conjunto com conexões de longa distância para a criatividade e inovação na indústria de musicais da Broadway (UZZI; SPIRO, 2005). Há também aqueles que se dedicam a estudar a pluralidade de interesses em jogo durante a produção de inovações e a necessidade de negociação destes interesses, naquilo que os autores denominam de processos de tradução (AKRICH; CALLON; LATOUR, 2002).

 Dessa forma, a inovação passa a ser concebida como um processo social de introdução de novidade em contexto social (TRIGILIA, 2007). Logo, um processo passível de encontrar resistências a sua realização – seja por interesses econômicos e posições de poder consolidadas, seja pela defesa de valores e crenças contrários à proposta inovativa – e que depende da capacidade dos envolvidos de superar essas oposições e criar consensos em torno de um projeto cujos resultados são perpassados pela incerteza. Ou seja, também a capacidade não trivial de cooperação e de ação conjunta entre atores diversos está no centro de processos de inovação. Contudo, a forma como essas oposições são superadas, os atores envolvidos e os entendimentos sobre o processo não são estanques, pelo contrário, são fatores sujeitos à transformação e que foram objeto de intensos debates e abordagens teóricas ao longo dos últimos anos.

O conceito de inovação encerra, na verdade, uma complexidade que se expressa nas dinâmicas de resistência e negociação envolvidas nos processos de produção social das inovações e na série de consequências impremeditadas que se estabelecem a partir da relação entre a novidade e o contexto em que ela se insere.

Apesar destas contribuições, grande parte da discussão atual sobre inovação parece esterilizada, presa à esfera da economia formal e aos sentidos mais rasos. Pois, mesmo que a importância dos aspectos institucionais e sociorrelacionais seja reconhecida, algumas das dimensões constitutivas dos processos de inovação, tais como construção da cooperação, negociação, poder, conflito e legitimação, permanecem negligenciadas, e o mesmo ocorre em relação a sua interdependência com as mudanças sociais. Convém retomar às contribuições das Ciências Sociais para o tema e abordar a inovação como um complexo processo relacional e multidimensional que depende, em grande medida, dos atores sociais, das dinâmicas de interação (contestação/aceitação) e do contexto social em que se desenrola o ato inovativo.

A inovação constitui, portanto, um processo não-linear que conta com a participação de uma multiplicidade de atores e organizações sociais com fontes variadas de recursos. O conjunto complexo e articulado de relações dinâmicas que compõem esse processo, bem como os múltiplos recursos mobilizados pelos atores envolvidos constituem as condições de possibilidade de sua emergência, embora também sejam profundamente afetados pelas transformações que a implementação de uma inovação tende a provocar. Ademais, os resultados possíveis desse processo também são os mais variados, já que a inovação pode assumir tanto a forma econômica (novos produtos, processos e serviços) quanto a forma social. Por fim, também é fundamental destacar a multiplicidade de perspectivas teóricas que podem ser mobilizadas para analisar esse tema.

Por reconhecer a complexidade da inovação e de sua análise, este dossiê temático possui caráter eminentemente multidisciplinar, já que almeja abordar as diversas facetas da inovação. Por isso, muito embora seu foco sejam as contribuições que compõem o amplo campo das Ciências Sociais, sejam elas teóricas ou aplicadas, ele também almeja abarcar a contribuição de outros campos do saber. É com base nisso que realizamos esta chamada para acolher as mais diversas contribuições que se debruçaram sobre o tema da inovação, sejam elas voltadas para as dinâmicas de desenvolvimento de inovação, para as políticas de inovação ou para os efeitos sociais da inovação.

PROPONENTES: 

Robson Rocha de Souza Junior – Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor Assistente (Grau IV) do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Unidade Barbacena.

Rodrigo Foresta Wolffenbüttel – Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Técnico em Assuntos Educacionais na Secretaria de Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande Sul.

Sandro Ruduit Garcia - Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Associado do Departamento de Sociologia e Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, IFCH/UFRGS.

Referências:

AKRICH, Madeleine; CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. The key to sucess in innovation part I: the art of interessement. International Journal of Innovation Management, London, v.6, n.2, p.187-206, jun. 2002.

BARNETT H. G. Innovation: The Basis of Cultwal Change.  McGraw- Hill Book Company, Inc., New York, 1953, 462 p.

BLOCK, F. Swimming Against the Current: The Rise of a Hidden Developmental State in the United States. Politics & Society, 36(2), 169–206, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0032329208318731

BLOCK, Fred., KELLER, R. Matthew. Where do innovations come from? Transformations in the U.S. economy, 1970-2006. In: Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics no. 35, maio de 2011.

DAGNINO, R. Tecnologia Apropriada: uma alternativa? Dissertação (Mestrado) – UnB, Brasília, 1976.

EDQUIST, Charles. The Systems of Innovation Approach and Innovation Policy: An account of the state of the art. Lead paper presented at the DRUID Conference, Aalborg, June 12-15, 2001.

FAGERBERG, J., FOSAAS, M., SAPPRASERT, K. Innovation: exploring the knowledge base, Research Policy, V. 41, n. 7, p. 1132-1153, 2012. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048733312000698.

FERRARY, M.; GRANOVETTER, M.. The Role of Venture Capital Firms in Silicon Valley’s Complex Innovation Network. In: Economy and Society, vol. 38, n. 2, p. 326-359, 2009.

HALL, Peter A.; SOSKICE, David. Varieties of Capitalism: The Institutional Foundations of Comparative Advantage. Oxford: Oxford University Press, 2001.

HEEKS, Richard; AMALIA, Mirta; KINTU, Robert; SHAH, Nishant. Inclusive Innovation: Definition, Conceptualisation and Future Research Priorities. Development Informatics working paper series, n. 53, 2013.

LEARY, John Patrick. Keywords: The New Language of Capitalism. Chicago: Haymarket Books, 2019.

MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: Desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2015.

ROGERS, Everett. Diffusion of Innovations, V ed.New York, The Free Press, 1995.

TRIGILIA, Carlo. La costruzione sociale dell’inovazione. In: La costruzione sociale dell’innovazione: economia, società e territorio. Firenze: Firenze University Press, 2007. p.11-18.

UZZI, B; SPIRO, J. Collaboration and creativity: the small world problem. American Journal of Sociology, v. 111, n. 2, p. 447-504, 2005.