Esfera pública digital: entre determinismo tecnológico e regressão democrática

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/1677-2954.2024.e105348

Palavras-chave:

Esfera pública, Determinismo tecnológico, Democracia deliberativa, Regressão democrática

Resumo

O determinismo tecnológico pode ser entendido como a posição que defende o direcionamento unilateral da reprodução social por uma lógica de funcionamento autônomo das transformações tecnológicas, a qual se furta a condicionamentos e influências reflexivas do meio sociocultural e político. Desse modo, ele representa uma ideologia antidemocrática, na medida em que tem por efeito legitimar a erradicação ou empobrecimento dos processos de tomada de decisão coletiva vinculados às dinâmicas da diversificação tecnológica. Este artigo reconstrói e avalia a recente contribuição de Jürgen Habermas sobre a chamada esfera pública digital à luz de problemas vinculados ao determinismo tecnológico. Apesar da centralidade atribuída pelo autor à história das novas tecnologias digitais, identificamos três grandes estratégias argumentativas utilizadas por ele para combater o determinismo tecnológico na avaliação da nova mudança estrutural da esfera pública. Defendemos essas linhas argumentativas como componentes importantes para a crítica das novas mídias digitais em nome de expectativas de legitimidade democrática exigentes, pautadas em critérios de inclusão igualitária e qualidade discursiva. Ainda assim, apontamos limites significativos no modo como são conduzidas pelo autor, relacionados aos vínculos estabelecidos entre as transformações estruturais da esfera pública e tendências recentes de reprodução capitalista, à sua relação complexa com novos padrões de subjetivação e à superação de constrições à agenda política sobre o tema.

Biografia do Autor

Felipe Gonçalves Silva, UFRGS

Professor do departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bolsista Capes-Alexander von Humboldt Stiftung, na modalidade pesquisador experiente.

Felipe Gretschischkin, USP

Doutorando e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2018-2020). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2013-2017). É pesquisador no projeto temático "FAPESP/CEBRAP: Crises da democracia: Teoria Crítica e diagnóstico do tempo presente (Processo 2019/22387-0)".

Referências

AUGUST, V. Technologisches Regieren: Der Aufstieg des Netzwerk-Denkens in der Krise der Moderne. Foucault, Luhmann und die Kybernetik. 1. ed. Bielefeld, Germany: transcript Verlag, 2021. v. 8

BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera. Primeira edição ed. São Paulo, SP: Ubu, 2021.

BENJAMIN, R. Race after technology: abolitionist tools for the New Jim Code. Cambridge, UK ; Medford, MA: Polity, 2020.

BERG, S.; RAKOWSKI, N.; THIEL, T. Die digitale Konstellation. Eine Positionsbestimmung. Zeitschrift für Politikwissenschaft, v. 30, n. 2, p. 171–191, jun. 2020.

BONINI, T.; TRERÉ, E. Algorithms of resistance: the everyday fight against platform power. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2024.

BOYER, R. Platform capitalism: a socio-economic analysis. Socio-Economic Review, v. 20, n. 4, p. 1857–1879, 22 nov. 2022.

BRUBAKER, R. Digital hyperconnectivity and the self. Theory and Society, v. 49, n. 5, p. 771–801, 1 out. 2020.

BRUBAKER, R. Hyperconnectivity and its discontents. Cambridge Hoboken (N.J.): Polity Press, 2023.

DAGNINO, R. P. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico: um debate sobre a tecnociência. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.

DAVIES, W. The Politics of Recognition in the Age of Social Media. New Left Review, n. 128, p. 83–99, 30 abr. 2021.

EUBANKS, V. Automating inequality: how high-tech tools profile, police, and punish the poor. First Edition ed. New York, NY: St. Martin’s Press, 2017.

FEENBERG, A. Between reason and experience: essays in technology and modernity. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010.

FEENBERG, A. Technosystem: the social life of reason. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2017.

FOURCADE, M.; HEALY, K. Seeing like a market. Socio-Economic Review, p. mww033, 2016.

FOURCADE, M.; HEALY, K. J. The ordinal society. Cambridge, Massachusetts ; London, England: Harvard University Press, 2024.

FOURCADE, M.; KLUTTZ, D. N. A Maussian bargain: Accumulation by gift in the digital economy. Big Data & Society, v. 7, n. 1, p. 2053951719897092, 1 jan. 2020.

FUCHS, C. “How to define surveillance?” MATRIZ-es, 5(1), 2011.

FUCHS, C. Digital Capitalism: Media, Communication and Society Volume Three. 1. ed. London: Routledge, 2021.

FUCHS, C. Digital Democracy and the Digital Public Sphere: Media, Communication and Society Volume Six. 1. ed. London: Routledge, 2022.

GILLESPIE, T. Custodians of the internet: platforms, content moderation, and the hidden decisions that shape social media. New Haven: Yale University Press, 2018.

GORWA, R. The politics of platform regulation: how governments shape online content moderation. First edition ed. New York, NY: Oxford University Press, 2024.

GRABHER, G.; KÖNIG, J. Disruption, Embedded. A Polanyian Framing of the Platform Economy. Sociologica, v. 14, n. 1, p. 95–118, 20 maio 2020.

GRAY, M. L. Ghost Work: How to Stop Silicon Valley from Building a New Global Underclass. 1st ed ed. Sydney: HarperCollins Publishers, 2019.

HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública investigações sobre uma categoria da sociedade burguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2014a.

HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Em: Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução: Felipe Gonçalves Silva. São Paulo: Unesp, 2014b. p. 75–132.

HABERMAS, J. Interview with Jürgen Habermas. Em: HABERMAS, J. (Ed.). The Oxford Handbook of Deliberative Democracy. [s.l.] Oxford University Press, 2018. p. 870–882.

HABERMAS, J. Facticidade e validade: Contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democracia. Tradução: Felipe Gonçalves Silva; Tradução: Rúrion Melo. São Paulo: Ed. Unesp, 2020.

HABERMAS, Jürgen. Teoria da ação comunicativa (Volume 2). São Paulo: Editora Unesp, 2022.

HABERMAS, J. Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa. Tradução: Denilson Luis Werle. São Paulo, SP: Unesp, 2023.

HARCOURT, B. Exposed: Desire and disobedience in the digital age. Harvard University Press, 2015.

HARTZOG, W. Privacy’s blueprint: the battle to control the design of new technologies. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2018.

HONNETH, A. Sofrimento de indeterminação: uma reatualização da filosofia do direito de Hegel. Tradução: Rúrion Soares Melo. São Paulo (SP): Esfera Pública, 2007.

JAEGGI, R. Fortschritt und Regression. Originalausgabe, erste Auflage ed. Berlin: Suhrkamp, 2023.

KAPCZYNSKI, A. The Law of Informational Capitalism. The Yale Law Journal, v. 129, n. 5, p. 1460–1515, 2020.

LASCH, C. A cultura do narcisismo: a vida americana em uma era de expectativas decrescentes. Tradução: Bruno Colbachini Mattos. São Paulo, SP: Fósforo, 2022.

MARCUSE, H. One-dimensional man: studies in the ideology of advanced industrial society. London: Routledge & Kegan Paul, 1964.

MARWICK, A. E. The private is political: networked privacy and social media. New Haven (Conn.) London: Yale University press, 2023.

MENDONÇA, R. F.; FILGUEIRAS, F.; ALMEIDA, V. Algoritmos, desidentificação e infrapolítica da resistência. Revista Brasileira de Ciência Política, v. 44, p. e280252, 2025.

MOROZOV, E. To save everything, click here: the folly of technological solutionism. First edition ed. New York: PublicAffairs, 2013.

MOROZOV, E. Capitalism’s New Clothes. Shoshana Zuboff’s new book on “surveillance capitalism” emphasizes the former at the expense of the latter. 4 fev. 2019.

MOROZOV, E. Critique of Techno-Feudal Reason. New Left Review, v. 133/134, p. 38, abr. 2022.

NACHTWEY, O.; SEIDL, T. The Solutionist Ethic and the Spirit of Digital Capitalism. Theory, Culture & Society, p. 02632764231196829, 24 out. 2023.

NIESEN, P. (ED.). Zur Diagnose demokratischer Regression: Leviathan Sonderband 40 | 2023. [s.l.] Nomos Verlagsgesellschaft mbH & Co. KG, 2023.

NOBLE, S. U. Algorithms of oppression: how search engines reinforce racism. New York: New York University Press, 2018.

PASQUALE, F. The black box society: the secret algorithms that control money and information. Cambridge: Harvard University Press, 2015.

PECK, J.; PHILLIPS, R. The Platform Conjuncture. Sociologica, v. 14, n. 3, p. 73–99, 2020.

PETERS, J. D. “You Mean My Whole Fallacy Is Wrong”: On Technological Determinism. Representations, n. 140, p. 10–26, 2017.

PINZANI, A. Habermas and Capitalism: an historic overview. Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade, v. 27, n. 2, p. 51–68, 20 dez. 2022.

PRATTICO, E. Habermas and the Crisis of Democracy: Interviews with Leading Thinkers. 1. ed. London: Routledge, 2022.

RECKWITZ, A. Die Gesellschaft der Singularitäten: zum Strukturwandel der Moderne. 1. Auflage ed. Berlin: Suhrkamp, 2017.

RENAULT, E. The experience of injustice: a theory of recognition. Tradução: Richard A. Lynch. New York: Columbia University Press, 2019.

REPA, L. A Transformação da Filosofia em Jürgen Habermas: Os papéis de reconstrução, interpretação e crítica. 1a ed. São Paulo: Singular; Esfera Pública, 2008.

REPA, L. A tensão indissolúvel: Habermas e a tese da neutralidade sistêmica do capitalismo. doispontos, v. 18, n. 2, p. 11–22, 2021.

SCHÄFER, V. A.; ZÜRN, M. Die demokratische Regression. Berlin: Suhrkamp, 2021.

SEELIGER, M.; SEVIGNANI, S. (EDS.). Ein neuer Strukturwandel der Öffentlichkeit? 1. Auflage ed. Baden-Baden: Nomos, 2021.

STAAB, P. Digitaler Kapitalismus Markt und Herrschaft in der Ökonomie der Unknappheit. Berlin: Suhrkamp, 2019.

STAAB, P.; THIEL, T. Privatisierung ohne Privatismus Soziale Medien im digitalen Strukturwandel der Öffentlichkeit. Em: SEELIGER, M.; SEVIGNANI, S. (Eds.). Ein neuer Strukturwandel der Öffentlichkeit? Leviathan Sonderband. 1. Auflage ed. Baden-Baden: Nomos, 2021. p. 277–297.

VOGL, J. Kapital und Ressentiment. [s.l.] Verlag C.H.BECK oHG, 2021.

WERLE, D. MELO, R. Apresentação à edição brasileira. In: HABERMAS, J. Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa. Tradução: Denilson Luis Werle. São Paulo, SP: Unesp, 2023.

WILLIAMS, R. Televisão: tecnologia e forma cultural. [s.l.] Boitempo, 2016.

WOODCOCK, J.; GRAHAM, M. The gig economy: a critical introduction. Cambridge ; Medford, MA: Polity, 2020.

ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Tradução: George Schlesinger. Rio de Janeiro, RJ: Intrínseca, 2020.

Downloads

Publicado

2025-03-20