O Deus faltado: Sartre e a dicotomia da singularidade histórica

Autores

  • Luciano Donizetti Da Silva Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.5007/1677-2954.2023.e94989

Palavras-chave:

Liberdade, Responsabilidade, História, Deus-faltado

Resumo

O eixo central da filosofia de Sartre é a liberdade, começo, fim e finalidade de ser-no-mundo; assim, parte-se da subjetividade (consciência intencional livre) que é, e somente poderia ser em situação que, por sua vez, limita seu ser. Essa condição dicotômica (liberdade-situada) funda-se metodologicamente na fenomenologia: trata-se de analisar condutas humanas no mundo e, dessas, revelar modos de ser fenomênicos, Em-Si, Para-Si e Para-Outro. O âmbito ôntico não está em nenhuma medida separado das estruturas de ser que o sustentam (ontológico), donde se possa dizer que ser-para-si é ser liberdade absoluta; todavia, ser-homem-no-mundo contraria essa tese, pois a mera inspeção de nossa condição comprova facilmente que estamos a ferros. Isso bem explica o mal-estar generalizado que a tese existencialista provoca: parece absurdo falar em liberdade ante a determinações mundano-concretas tão evidentes (corpo, natureza, classe etc.); e soa ainda mais absurda a tese de que a responsabilidade é também absoluta. Isso parece culpar o oprimido pela opressão, dando margem a alguma sorte de tese meritocrática – nada mais falso! Assim, a primeira tarefa desse artigo será desfazer a errônea impressão de que a tese da liberdade redunda numa filosofia de sobrevoo; ao contrário de abstração, é a condição humana no mundo que impõe esse paradoxo existencial: como pode que homens e mulheres façam a história e não se reconheçam nela? Isso leva ao intrincado modelo ontológico de Sartre, que exige a constante e fantasmagórica presença do hipostasiado Ser-Em-Si-Para-Si. Decorre disso que o fundamento último da liberdade é Abgrund (sem fundamento), pois sou no presente a partir de um projeto de ser que é meu, e sempre está em vias de reformulação (ser-fluído); mas é nesse, e somente por esse processo que se pode falar em devir histórico: ser-homem é ser-liberdade-para-se-libertar; a história, por sua vez, seguirá escrita por um Deus-faltado.

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Publicado

2023-12-13

Edição

Seção

Dossiê: Conceitos e concepções de liberdade / Concepts and conceptions of