Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética

Autores

  • Letícia Cesarino Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina

DOI:

https://doi.org/10.5007/2175-8034.2021.e75630

Resumo

O artigo propõe uma explicação cibernética (Bateson, 1972) para a pós-verdade partindo de reflexões clássicas no campo CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) sobre como a verdade é produzida, notadamente Thomas Kuhn e a etnografia de Bruno Latour, Vida de Laboratório. Argumenta-se que o termo pós-verdade indica um ambiente de entropia informacional crescente derivado da intensificação extensiva (global) e intensiva (personalização) do duplo processo de digitalização e neoliberalização. A perspectiva estrutural permite ver, como parte de uma mesma infraestrutura emergente, fenômenos que vimos tratando separadamente em tópicos como neoliberalismo, política populista, desinformação, mídias sociais, punitivismo, entre outros. Além de indicar, com base em pesquisa sobre a digitalização da política no Brasil, como o ambiente epistêmico tem se reestruturado como consequência da crise confiança no sistema de peritos, o artigo elabora paralelos estruturais que atravessam toda a constelação contemporânea do neoliberalismo digitalizado: colapso de contexto, performatividade, verdade como a posteriori, sujeito influenciável, mediações (i)mediatas, invisibilização de assimetrias emergentes, conteúdo gerado pelos usuários e estruturas organizacionais do tipo pirâmide.

Referências

ALMEIDA, Rafael. Notas para uma reflexão sobre as “teorias da conspiração”. Ponto Urbe, n. 23, 2018.

AYAN, Luciano. A arte da seita política. https://ceticismopolitico.com/ensaios/. Acesso em 28 de abril de 2020.

BATESON, Gregory. Naven: um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné, desenhado a partir de três perspectivas. São Paulo: EDUSP, 2008 [1936].

BATESON, Gregory. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press, 1972.

BROWN, Wendy. In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the West. Nova Iorque: Columbia University Press, 2019.

CESARINO, Letícia. Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 63, n. 1, 2019.

CESARINO, Letícia. What the Brazilian 2018 elections tell us about post-truth in the neoliberal-digital era. Cultural Anthropology – Hot Spots, 2020a.

CESARINO, Letícia. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital no Brasil. Internet & Sociedade, v. 1, n. 1, 2020b.

CESARINO, Letícia. How social media affords populist politics: remarks on liminality based on the Brazilian case. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 59, n.1, 2020c.

CESARINO, Letícia. Coronavírus como força de mercado e o fim da sociedade. Antropológicas Epidêmicas. Disponível em: https://www.antropologicas-epidemicas.com.br/post/coronavírus-como-força-de-mercado-e-o-fim-da-sociedade. Acessado em 13 de julho de 2020, 2020d.

CHUN, Wendy. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge, MA: MIT Press, 2016.

COLE, Samantha; EMERSON, Sarah. That viral video of a chimp scrolling Instagram is bad, actually. Motherboard (Vice). Disponível em: https://www.vice.com/en_us/article/8xzn7z/viral-video-of-a-chimp-scrolling-instagram-is-bad. Acessado em 13 de julho de 2020, 2019.

COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. Millenial capitalism: first thoughts on a second coming. Public Culture, v. 12, n. 2, p. 291-343, 2000.

COMAROFF, Jean; COMAROFF, John. Criminal obsessions, after Foucault: postcoloniality, policing, and the metaphysics of disorder. Critical Inquiry, v. 30, n. 4, p. 800-824, 2004.

COOPER, Melinda. Family values: between neoliberalism and the new social conservantism. Cambridge, MA: MIT Press, 2017.

EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 2005 [1937].

FALTAY, Paulo. Máquinas paranoides e sujeitos influenciáveis: conspiração, conhecimento e subjetividade em redes algorítmicas. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, UFRJ, 2020.

FERGUSON, Niall. A praça e a torre: redes, hierarquias e a luta pelo poder global. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

FRASER, Nancy. From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a “postsocialist” age. New Left Review, v. 1, n. 212, p. 68-93, 1997.

GIBSON, James. The theory of affordances, In: The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979.

HACKING, Ian. Representar e intervir: tópicos introdutórios de filosofia da ciência natural. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.

HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. São Paulo: Veneta, 2019.

HALL, Kira; GOLDSTEIN, Donna; INGRAM, Matthew. The hands of Donald Trump: entertainment, gesture, spectacle. Hau – Journal of Ethnographic Theory, v. 6, n. 2, 2016.

HARSIN, Jayson. Regimes of posttruth, postpolitics, and attention economies. Communication, Culture & Critique, v. 8, n. 2, p. 1-7, 2015.

HEARN, Alison & SCHOENHOFF, Stephanie. From celebrity to influencer: tracing the diffusion of celebrity value across the data stream, In: MARSHALL, D.; REDMOND, S. (eds.), A companion to celebrity. John Wiley & Sons, 194-208, 2016.

KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo do desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2006.

LACLAU, Ernesto. On populist reason. Londres: Verso, 2005.

LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. Vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997 [1979].

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

LATOUR, Bruno. Down to earth: politics in the new climatic regime. Cambridge, UK: Polity Press, 2018.

LEMPERT, Michael. Imitation. Annual Review of Anthropology, n. 43, p. 379-95, 2014.

LURY, Celia & DAY, Sophie. Algorithmic personalization as a mode of individuation. Theory, Culture & Society, v. 36, n. 2, p. 17–37, 2019.

MALY, Ico. New right metapolitics and the algorithmic activism of Schild & Vrienden. Social Media and Society, v. 5, n. 2, 2019.

MARRES, Nootje. Why we can’t have our facts back. Engaging Science, Technology and Society, v. 4, p. 423-443, 2018.

MARWICK, Alice & BOYD, dana. I tweet honestly, I tweet passionately: Twitter users, context collapse, and the imagined audience. New Media & Society, v. 13, n. 1, 2011.

MAZZARELLA, William. The anthropology of populism: beyond the liberal settlement? Annual Review of Anthropology, n. 48, p. 45-60, 2018.

MIROWSKI, Philip. The commercialization of science is a passel of Ponzi schemes. Social Epistemology, v. 26, n. 3-4, p. 285-310, 2012.

MIROWSKI, Philip. Hell is truth seen too late. Boundary 2, v. 46, n. 1, p. 1-53, 2019.

NAGLE, Angela. Kill all normies: online culture wars from 4chan and Tumblr to Trump and the alt-right. Londres: Zero Books, 2017.

ORESKES, Naomi & CONWAY, Erik. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Nova Iorque: Bloomsbury Press, 2010.

SAPIR, Edward. Cultura: autêntica e espúria. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 4, p. 35-58, 2012.

WACQUANT, Loic. Punishing the poor: the neoliberal government of social insecurity. Durham: Duke University Press, 2009.

WAISBORD, Silvio. The elective affinity between post-truth communication and populist politics. Communication Research and Practice, v. 4, n. 1, p. 17-34, 2018.

WARNER, Michael. Publics and counterpublics. Quarterly Journal of Speech, v. 88, n. 4, p. 413-425, 2002.

ZOONEN, Liesbet van. I-pistemology: changing truth claims in popular and political culture. European Journal of Communication, v. 27, n. 1, p. 56–67, 2012.

ZUBOFF, Shoshana. The age of surveillance capitalism: the fight for the human future at the new frontier of power. Nova Iorque: Public Affairs Books, 2018.

Downloads

Publicado

2021-02-24

Como Citar

CESARINO, Letícia. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73–96, 2021. DOI: 10.5007/2175-8034.2021.e75630. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/75630. Acesso em: 28 mar. 2024.

Edição

Seção

Diversidade Contaminada - Dossiê ReACT