O pretérito perfeito composto em português: uma análise de funções e valores marcados pela leitura iterativa ou durativa

Autores

  • Diana Reis de Bittencourt Instituto Federal Catarinense

DOI:

https://doi.org/10.5007/1984-8420.2021e76855

Resumo

Neste estudo, discutimos a semântica do pretérito perfeito composto (PPC), a partir das leituras de pluralidade que nele se pode obter, distribuídas em iterativa ou durativa, em razão da característica de cada predicado verbal. Apontamos ainda que essas leituras afastam o PPC de uma competição funcional com o pretérito simples na sincronia, refletindo uma situação linguística divergente da diacrônica, em que o pretérito composto alcançava valores que se aproximavam mais da expressão do pretérito simples. Assim, a contribuição da análise não está na investigação e apontamento das diferentes funções das duas formas de pretérito, mas sobretudo em retratar a caracterização semântica do PPC contemporâneo também como resultado da competição funcional entre as diferentes leituras do PPC ao longo de sua história: a leitura resultativa e as leituras de pluralidade que foram se estabelecendo em sua trajetória, conforme descreve Becker (2016). Do mesmo modo, a discussão proposta busca contribuir destacando a complexidade em se traçar uma definição única e rigorosa para esse tempo verbal. Dessa forma, buscamos desenvolver uma análise qualitativa com enfoque semântico, que toma como fundamentação principal a descrição de Ilari (2001) para esse tempo verbal e situa ainda as definições do perfeito a partir de Comrie (1976), Klein (1992) e Kiparsky (2005). Para tanto, os dados do Corpus do Português (CdP) são utilizados como um recurso para identificarmos as várias leituras do PPC. Nessa perspectiva, justifica-se a incompletude de descrições a partir de um valor semântico único para o PPC, posto que esse se configura de modo diferente em cada predicado que transita, de forma similar a uma expressão de quantificação. Por fim, a partir dessa caracterização semântica, propomos possíveis funções discursivas para a forma, em razão da repetição inferida na expressão do evento denotado pelo PPC. Como apontamento final, sublinhamos a forte presença da leitura durativa associado ao PPC a partir do século XIX, que pode ter sido o fator decisivo no afastamento das funções entre as formas simples e compostas de pretérito, o que está de acordo também com os resultados de Becker (2016, 2020) e Barbosa (2008).

Biografia do Autor

Diana Reis de Bittencourt, Instituto Federal Catarinense

Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina 

Professora Adjunta de Português e Linguagens - EBTT - da Rede Federal de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico

Referências

ADAMS, James. Social variation and the Latin Language: aspects of verbal morphology and sytanx. Cambridge University Press, Cambrige: 2013

BARBOSA, Juliana Bertucci. Tenho feito/ fiz a tese: uma proposta de carcaterização do pretérito perfeito no português. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2008.

BÁRTOLI, Matteo. Saggi di linguistica spaziale. Rosenberg and Sellier, Torino: 1945

BECKER, Martin. O PPC na história do Português do Brasil. In. História Semântica do Poruguês do Brasil. Rodolfo Ilari e Ranato Basso. São Paulo: Contexto, 2020, p. 146-203.

BECKER, Martin. O Pretério Perfeito Composto em diacronia – uma evolução perfeita? Estudos de linguistica Galega 8, 2016, p. 25-43.

BULLA, Beatriz. Rodrigo Maia elogia Moro: faz e tem feito política. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 13 de maio de 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,rodrigo-maia-elogia-moro-fez-e-tem-feito-politica,70002827310. Acesso em: 13 de maio de 2019.

BYBEE, J.; PERKINS, R.; PAGLIUCA, W. The evolution of Grammar: tense, aspect, and modality in the languages of the world. London: The University of Chicago Press, 1994.

CARVALHO, Sandra de; CABREDO-HOFHER, Patricia; LACA, Brenda. When Perfect means “Plural”: The present perfect in Northeastern Brazilian Portuguese. In: Patricia Cabredo-Hofherr; Brenda Laca (Org.) 2010, p. 67-100

COMRIE, Bernard. Aspect. Cambridge: Cambridge University Press, 1976

COAN, Márluce. As categorias Tempo, Aspecto, Modalidade e Referência na significação dos pretéritos mais-que-perfeito e perfeito: correlação entre função(ões)-forma(s) em tempo real e aparente. Tese. (Doutorado em Linguística). Programa de Pós-graduação em Linguística. Florianópolis, UFSC, 2003.

DAVIES, Mark; Ferreira, Michael (2006-). Corpus do Português: 45 million words, 1300s – 1900s. http://www.corpusdoportugues.org.

HARRIS, Martin. The ‘past simple’ and the ‘present perfect’ in Romance. In. Nigel Vincent/ Martin Harris (eds.), Studies in the Romance Verb. London: Croom Helm, 1982, p 46-70

GÖRSKI, Edair Maria. Emergência de dar pra/de no domínio functional da auxiliarização. In. Fórum Línguístico, 2020, p. 4342-4356.

GÖRSKI, Edair M.; TAVARES, Maria A.; VALLE, Carla R. M.; ROST, Cláudia. Mudança em fenômenos discursivos via variação e gramaticalização: o papel dos fatores sociais. Estudos Lingüísticos (GEL), v.32. São Paulo, 2002, p. 1-5.

ILARI, Rodolfo. Notas para uma semântica do passado compostoo em português. Revista Letras, n. 55. Curitiba: Editora da UFPR, 2001, p. 129-152,

KLEIN, Wolfgang. The present perfect puzzle. Language 68, 1992, p. 525-552.

KIPARSKY, Paul. Event Structure and the perfect. In: David I. Beaver, Luis D. Casillas Martínez, Brady Z. Clark, and Stefan Kaufmann (eds.), The Constructions of Meaning. CSLI Publications, 2002.

LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre e Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008 [1972]

LINDSTEDT, Jouko. The perfect - aspectual, temporal and evidential. In Ö Dahl (eds.), Tense and aspect in the languages of Europe . Empirical Approaches to Language Typology. De Gruyter Mouton, Berlin & New York, 2002, p. 365-383

O ESSENCIAL. Diário do Centro do Mundo, São Paulo, 21 de maio de 2020. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/lula-estou-muito-preocupado-com-todas-as-bobagens-que-tenho-visto-e-ouvido-o-bolsonaro-falar/. Acesso em: 21 de maio de 2020.

PAIVA BOLÉO, Manuel. O perfeito e o pretérito em português em confronto com as outras línguas românicas, en Cursos e Conferências, Vol. VI, Suplemento ao vol. XIII do Boletim da Biblioteca da Universidade. Coimbra: Biblioteca da Universidade, 124-266, 1936

PERINI, Mário. Gramática descritiva do português brasileiro. Petrópolis: Editora Vozes, 2016

ROST SNICHELOTTO, Cláudia. Os marcadores discursivos nas línguas românicas: (macro)funções textuais e interacionais. Interdisciplinar: Revista de Estudos em Língua e Literatura , v. 7, 2008, p. 109/7-130.

SQUARTINI, Mario; BERTINETTO, Pier Marco. The Simple and Compound Past in Romance Languages, In. Östen Dahl (eds.), Tense and Aspect in the Languages of Europe. Berlin: De Gruyter, 2000, p. 403-439

VALLE, Carla Regina Martins. Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. 2014. Tese (Doutorado em Linguística)–Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.

VARSUL. Projeto Variação linguística na Região Sul do Brasil. Disponível em: http://varsul.org.br/. Acesso: 1 maio de 2020.

VENDLER, Zeno (1967): Linguistics in philosophy. Ithaca: Cornell University Press.

VIANA, A. R. G. Le portugais: phonétique et phonologie, morphologie, textes. Leipzig: Teubner, 1901.

WEINREICH, Weinreich; LABOV, William; HERZOG, Marvin. (1968). Empirical Foundations for Theory of Language Change". In: LEHMANN, Paul; MALKIEL, Yakov. (eds.) Directions for Historical Linguistics. Austin: University of Texas Press: 95-188. [Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. Trad.: Marcos Bagno; revisão técnica: Carlos Alberto Faraco. São Paulo: Parábola, 2006

Publicado

2021-09-13