A filosofia transumanista subjacente aos aprimoramentos neurocognitivos e o risco de fragmentação do bem comum
DOI:
https://doi.org/10.5007/1677-2954.2021.e80038Resumo
Nesse artigo, abordamos a filosofia transumanista subjacente aos aprimoramentos neurocognitivos. Esboçaremos uma crítica ético-social ao movimento, a partir da revisão bibliográfica de obras de C. S. Lewis, Michael Polanyi, Jürgen Habermas, Francis Fukuyama, Leon Kaas, Michael Sandel, John Finnis e Jacques Maritain. Também abordamos a questão do bem comum em face do transumano e as consequências que poderiam advir de não se pensar eticamente nas implicações do aprimoramento cognitivo. Concluiu-se que o “bem comum” previsto na filosofia transumanista carece de um preenchimento adequado do termo. O bem comum aristotélico é, antes de tudo, uma coordenação virtuosa dos bens particulares. Considerando, todavia, que tais bens estão ligados à natureza humana, que pode ser substancialmente alterada pelas transformações transumanistas, há dois riscos que se apresentam: ou que se busque modificar o estatuto humano de todos em uma pretensão hegemônica violadora da liberdade individual; ou, numa perspectiva liberal, que a transformação apenas daqueles que assim optarem francione a própria ontologia humana. Assim, poderia se tornar impossível falar de bem comum, visto que este deriva-se da coordenação de bens particulares que, em última instância, dependem do compartilhamento de um estatuto ontológico comum.
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