GT Estudos de Gênero da Associação Nacional de História (ANPUH) divulga Nota de Repúdio
NOTA DE REPÚDIO
O GT Estudos de Gênero da Associação Nacional de História (ANPUH) vem a público expressar sua preocupação e indignação frente às tentativas de censura política e recolhimento de materiais impressos no Brasil que abordam questões de gênero, por ordem de governantes brasileiros intolerantes, que, com abuso de poder e em expresso desrespeito à constitucionalidade, agem contra direitos fundamentais da cidadania nacional. Nesse sentido, repudiamos a atitude do Prefeito do Rio de Janeiro que ordenou o recolhimento de um romance gráfico contendo beijo entre duas personagens masculinas na Bienal do Livro, realizada durante o período de 30 de agosto a 08 de setembro de 2019, bem como do Governador de São Paulo que, também, ordenou o recolhimento de livros didáticos sob a justificativa de fazer “apologia à ideologia de gênero”. Os alunos da rede estadual paulista foram privados de material didático de oito disciplinas, incluindo História, prejudicando o andamento do ensino, tanto para os discentes, quanto para os docentes, cujo planejamento das aulas dependia do material de forma autoritária e constrangedora. A atitude do governo de São Paulo, ainda que remediada pela justiça, vai contra a Constituição brasileira de 1988 prevê a construção de uma sociedade livre, sem preconceitos ou discriminações, e ainda contra as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos que se fundamenta, dentre outros princípios, na igualdade de direitos; no reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; na laicidade do Estado; e, na democracia na educação.
Atitudes autoritárias, preconceituosas, antidemocráticas e contrárias aos próprios documentos orientadores instituídos pelo Estado Brasileiro, têm sido tomadas sob o pretexto de afastar o que estão chamando de “ideologia de gênero”, uma caricatura inventada no intuito de desqualificar e apagar a realidade da exploração fundamentada nas diferenças fenotípicas, a diversidade e silenciar os debates em torno das imensas desigualdades de gênero no Brasil. Conforme já se manifestou anteriormente o ministro do STF Luis Roberto Barroso sobre essa matéria: “(...) Impedir a alusão aos termos gênero e orientação sexual na escola significa conferir invisibilidade a tais questões (...) significa valer-se do aparato estatal para impedir a superação da exclusão social e, portanto, para perpetuar a discriminação”.
Não reconhecemos o termo “ideologia de gênero” como acadêmico, entendendo a falácia desse movimento que pretende impedir que a educação brasileira seja inclusiva, tolerante e diversificada, demonstrando o acolhimento necessário aos discentes na educação básica, tanto quanto para o pensamento crítico, o que atua na contramão à mordaça, à censura, à desinformação. Defendemos o estudo da categoria gênero e o entendimento do gênero como construção sociocultural, assim como a importância desse estudo para o enfrentamento da violência contra as mulheres e as populações LGBTQ+ que nos coloca em posições vergonhosas mundialmente: somos o país que mais comete assassinatos pela intolerância à comunidade LGBTQ e o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Sempre nos apresentaremos contrários aos abusos institucionais, pontuais e em qualquer âmbito da administração, que pretendem restabelecer a ditadura que resistimos e lutamos por duas décadas para superar.
Brasil, 16 de setembro de 2019
GT Estudos de Gênero da Associação Nacional de História