Trajetórias da Reforma Psiquiátrica brasileira: entre o compromisso com a garantia de direitos e a agenda neoliberal
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Resumo
Este texto analisa, sob a forma de uma revisão bibliográfica, a trajetória da política de Reforma Psiquiátrica no Brasil, com ênfase nos seus avanços e retrocessos. Tal análise enfoca as contradições resultantes de sua condição de política de acesso a direitos no âmbito de um sistema universal de saúde, cuja construção coincide com o avanço do neoliberalismo. Tomando o ano de 2015 como marco no qual se instaura outra direção para a política de saúde mental, procura-se demonstrar como os obstáculos que acompanharam o processo de Reforma refletem imposições de uma agenda neoliberal, tensionada, até esse momento, pelo compromisso com as políticas sociais. A análise incide em relação a quatro dimensões: o fechamento dos hospitais psiquiátricos e a construção de uma rede substitutiva de saúde mental; a relação público-privado e seus impactos no financiamento do SUS; os efeitos da desigualdade social e a fragilidade de políticas intersetoriais; a importância dos movimentos sociais e da participação popular para o avanço da Reforma Psiquiátrica. A revisão realizada permite o reconhecimento dos retrocessos impostos no período seguinte como acirramento da política neoliberal em curso, evidenciando que a Reforma Psiquiátrica sempre esteve em disputa e explicitando que, no momento atual, a instauração de uma política contrária às diretrizes consolidadas no período democrático reflete esse acirramento. Com isso, dimensiona o horizonte de luta do movimento antimanciomial, apontando para um processo mais amplo de transformação social.
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