Dossiê: Mídias e violências de gênero: análises e reflexões sobre desigualdades e resistências nos processos comunicacionais
A mídia tem estado no centro da atenção, da atuação e da reflexão dos movimentos feministas há muitas décadas. Esta atenção se deve à consideração de que os meios de comunicação produzem discursos que atualizam as desigualdades de gênero responsáveis pelas múltiplas violências contra mulheres e população LGBTQIAP+. Por outro lado, os meios de comunicação também são vistos historicamente a partir de suas possibilidades para promover transformações significativas no âmbito da cultura, tensionando a lógica de poder masculinista que estrutura diferentes sociedades e que permeia as práticas comunicacionais, a exemplo do Jornalismo (Veiga da Silva, 2014; Sarmento, 2017; Freitas, 2018; Escosteguy, 2020).
De acordo com Rita Segato (2006), os feminicídios, estágio último da escalada da violência de gênero, carregam uma carga expressiva dirigida tanto à vítima quanto aos pares que exercem as múltiplas violências. Este processo faz parte da instalação de um sistema de comunicação violento, que se cristaliza, tornando a violência uma linguagem. As políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil também foram construídas com atenção à forma como os ambientes comunicacionais podem ser agentes para a desnaturalização destas práticas sociais. No artigo 8º, sobre as políticas de prevenção da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, está prevista a necessidade nos meios de comunicação de “coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”. Uma necessidade que se estende a todas as formas de violência de gênero.
Nossa atenção à mídia na sua relação com a violência de gênero se refere exatamente a esta ambivalência que lhe é pertencente. Assumimos sua capacidade de manter e estabilizar discursos de uma cultura machista, sexista e misógina que ratificam as normas violentas de gênero, assim como reafirmamos o seu potencial de contribuir na luta contra essas assimetrias. Potencial que se observa em práticas de comunicação que possuem uma perspectiva feminista e interseccional, sejam elas em mídias jornalísticas alternativas (Gustafson, 2019; Popadiuk, Woitowicz, 2021; Crosta, 2022) e nas brechas encontradas em mídias hegemônicas ou convencionais (Liberia Vayá, Zurbano-Berenguer; Edo, 2020).
Por fim, destacamos que a violência de gênero não atinge as mulheres e outros grupos historicamente subalternizados de maneira igual. Assim, a compreensão do fenômeno carece de análises com uma perspectiva interseccional (Crenshaw, 2004; Gonzalez, 2020; Collins; Bilge, 2021). Uma abordagem que coloque sua atenção à articulação entre gênero, sexualidade, raça, etnia e classe, entre outros marcadores sociais da diferença, considerando que as próprias coberturas midiáticas, ao abordarem o tema, reproduzem estas desigualdades no que se refere à visibilidade e formas de tratamento dispensado a determinadas vítimas nas notícias e demais produtos comunicacionais.
Assim, estimulamos as pessoas interessadas a submeter trabalhos que abordem a relação entre violências de gênero e mídias nos âmbitos teórico e empírico, a partir de dimensões como:
- O tratamento das várias formas de violência de gênero e de feminicídios em coberturas jornalísticas de mídias hegemônicas e de iniciativas de jornalismo com perspectiva de gênero;
- A violência política de gênero na mídia;
- A violência digital de gênero e suas diferentes manifestações;
- A comunicação pública e o debate das violências de gênero nas instituições;
- As iniciativas e estratégias de comunicação de ativistas e movimentos sociais na prevenção e combate às violências de gênero;
- A articulação entre violência de gênero e racismo na reflexão sobre a atuação das mídias;
- Violências de gênero e interseccionalidade na cobertura midiática;
- Gênero e sexualidade na cobertura da violência contra a população LGBTQIAP+;
- Avanços teóricos na relação entre o campo comunicacional e as violências de gênero;
- Metodologias de pesquisa inovadoras para o estudo das violências de gênero e mídia.
Editoras convidadas:
Terezinha Silva (UFSC), Rayza Sarmento (UFPA) e Jessica Gustafson (UFSC)
Datas importantes:
Envio de artigos: até 15 de julho de 2024 (prazo prorrogado até 03 de agosto de 2024).
Respostas das editoras a autoras e autores: até 01 de outubro de 2024.
Previsão de publicação da edição: dezembro de 2024.
Formatação e submissão dos textos:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/about/submissions#onlineSubmissions
Referências
Escosteguy, Ana Carolina D. Comunicação e Gênero no Brasil: discutindo a relação. Revista Eco-Pós, 23(3), 2020, p. 103–138. https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27643
Collins, Patricia Hill ; Bilge, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.
Crenshaw, Kimberlé. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: Cruzamento: raça e gênero. Unifem, 2004. Disponível em https://static.tumblr.com/7symefv/V6vmj45f5/kimberle-crenshaw.pdf . 2
Freitas, Viviane. Feminismos na imprensa alternativa brasileira: quatro décadas de lutas por direitos. Jundiaí: Paco Editorial, 2018.
Gonzalez, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. SP: Companhia das Letras, 2020.
Gustafson, Jessica. Jornalistas e feministas: a construção da perspectiva de gênero no Jornalismo. Florianópolis: Insular, 2019.
Liberia Vayá, Irene; Zurbano-Berenguer, Belén; Edo, Aurora. Femicides in native digital news outlets: greater and bettercoverage? A study of violence against women in the Spanish media. Observatorio. 14(1), 2020, 45-44.
Popadiuk, Barbara M. ; Woitowicz, Karina J. A perspectiva de gênero e militância nos portais jornalísticos Gênero e Número, Portal Catarinas e Revista Azmina. Anais. Seminário Internacional Fazendo Gênero 12. Florianópolis: UFSC, 2021.
Sarmento, Rayza. Das sufragistas às ativistas 2.0: feminismo, mídia e política no Brasil (1921 a 2016). 2017. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
Segato, Rita Laura. Qué es un feminicidio: notas para un debate emergente. Ed. Departamento de Antropologia. Série Antropológica. Universidade de Brasília. Brasília, 2006. p. 01-11.
Veiga da Silva, Marcia. Masculino, o gênero do jornalismo: modos de produção das notícias. Florianópolis: Insular, 2014.
ATENÇÃO: Na página de rosto dos artigos ou nos comentários às editoras deverá constar a informação “Dossiê Mídias e violências de gênero”