Negacionistas são os outros? Verdade, engano e interesse na era da pós-verdade

Autores/as

  • Alyne de Castro Costa Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e PUC-Rio

DOI:

https://doi.org/10.5007/1808-1711.2021.e79698

Resumen

Os debates públicos sobre o fenômeno do negacionismo parecem se pautar sobre a ambiguidade da noção de engano: os “negacionistas profissionais” seriam aqueles que enganam, os cientistas seriam os que não (se) enganam e as “pessoas comuns” seriam as mais suscetíveis a se enganarem ou serem enganadas. Porém, estudos mostram que os negacionistas consideram sua própria atitude como uma precaução contra o engano; por isso, explicações que os tratam como anticientificistas, antidemocráticos e ignorantes não dão conta do fenômeno em toda sua complexidade. Neste artigo, recorro à noção nietzschiana de “vontade de verdade” para pensar o negacionismo como um efeito deletério da imagem da ciência como um escudo desinteressado contra o engano. Mais que isso, examino a hipótese de que a oposição verdade/engano nos torna a todos potenciais negacionistas, e proponho, como proteção contra esse risco, admitir os interesses que levam as pessoas a disputar os fatos científicos. Discuto também o contexto sociopolítico no qual o negacionismo pôde emergir e apresento alguns caminhos para uma noção de verdade mais condizente com as “questões de preocupação” (matters of concern) atuais.

Citas

Andrade, R. O. 2019. Resistência à ciência. Pesquisa Fapesp 284:16–21.

Bellacasa, M. P. 2010. Matters of care in technoscience: Assembling neglected things. Social Studies of Science, 41(1): 85–106.

Bruno, F. 2020. Palestra no evento “Fake News, Social Media and Subjectivities: Effects on Society and Politics in Brazil”. https://www.youtube.com/watch?v=WFc5PO_oXfA&

feature=youtu.be&ab_channel=ICGSST%C3%BCbingen>

Carvalho, D. 2020. Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire”. Blogs Unicamp [online].

Cassin, B. 2018. Quand dire, c'est vraiment faire. Paris: Fayard.

Coady, D. 2012. What to Believe Now: Applying Epistemology to Contemporary Issues. Oxford: Wiley-Blackwell.

Costa, A.; Roque, T. 2020. Ciência e política em tempos de negacionismo. Ciência Hoje 367.

Crutzen, P.; Stoermer, E. 2000. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter 41: 17–18.

Danowski, D. 2018. Negacionismos. Série de cordéis Pandemia. São Paulo: n-1 edições.

Deleuze, G. 2013. Conversações (1972-1990). Trad. de P. P. Pelbart. São Paulo: Editora 34, 3a edição.

Eyal, G. 2019. The Crisis of Expertise. Cambridge: Polity.

Foucault, M. 1994. Entretien avec Michel Foucault” (avec A. Fontana et P. Pasquino). In: Dits et écrits (1954-1988) III. Paris: Gallimard.

Hamilton, C. 2013. Earthmasters: the Dawn of the Age of Climate Engineering. New Haven: Yale University Press.

Harambam, J.; Aupers, S. 2015. Contesting epistemic authority: Conspiracy theories on the boundary of science. Public Understanding of Science. 24(4): 466–80.

Helmond, A. 2019. A plataformização da web. Tradução de Tiago Salgado. In: Omena, J. J. (org.). Métodos Digitais: teoria-prática-crítica, pp. 49–72. Lisboa: ICNOVA.

Horner, R.; Haberly, D.; Schindler, S.; Aoyama, Y. 2018. How anti-globalisation switched from a left to a right-wing issue – and where it will go next. The conversation [online].

Kahan, D. M. 2013. Ideology, motivated reasoning, and cognitive reflection. Judgment and Decision Making 8(4): 407–24.

Kahn-Harris, K. 2018. Denial: The Unspeakable Truth. Mirefoot, Kendal, Cumbria: Notting Hill Editions.

Keyes, R. 2004. The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life. New York: St. Martin’s Press.

Latour, B. 1994. Jamais Fomos Modernos: Ensaio de Antropologia Simétrica. Trad. de C. I. Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

Latour, B. 2019a. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. Trad. de C. A. M. Souza. São Paulo: Editora Unesp.

Latour, B. 2019b. Troubles dans l’engendrement. Entretien sur la politique à venir (Entretien avec Bruno Latour par Carolina Miranda). Revue du Crieur 14: 60–73.

Latour, B. 2020a. Por que a crítica perdeu a força? De questões de fato a questões de interesse. O que nos faz pensar 29(46): 173-204.

Latour, B. 2020b. Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Trad. de M. Vieira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.

Latour, B. 2021. Où suis-je ? Leçons du confinement à l’usage des terrestres. Paris: La Découverte.

Lerer, L. Isolado em seu resort na Flórida, Trump comanda republicanos com mão de ferro. O Globo, 12 mai. 2021. https://oglobo.globo.com/mundo/isolado-em-seu-resort-na-florida-trump-comanda-republicanos-com-mao-de-ferro-25013025

McRaney, D. 2013. You are now less dumb: how to conquer mob mentality, how to buy happiness, and all the other ways to outsmart yourself. New York: Gotham Books.

McCright, A. M.; et al. 2013. The influence of political ideology on trust in Science. Environmental Research Letters 8: 044029 (9p.).

National Research Council Committee On Basic Reserach Opportunities In The Earth Sciences. 2001. Basic Research Opportunities in the Earth Sciences. Washington, DC: National Academies Press.

Nietzsche, F. 2011. A vontade de poder. Trad. e notas de M. S. P. Fernandes e F. J. D. Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto.

Nietzsche, F. 2012. A gaia ciência. Trad. de P. C. Souza. São Paulo: Companhia das Letras.

Nisbet, E.C.; Cooper, K. E.; Garrett, R. K. 2015. The Partisan Brain: How Dissonant Science Messages Lead Conservatives and Liberals to (Dis)Trust Science. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, 658(1): 36–66.

Oreskes, N.; Conway, E.M. 2010. Merchants of Doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Nova York: Bloomsbury Press.

Pew Research Center. 2016. The Politics of Climate.

Pigden, C. 1995. Popper revisited, or what is wrong with conspiracy theories? Philosophy of the Social Sciences 25(3): 3–34.

Pignarre, P.; Stengers, I. 2005. La sorcellerie capitaliste. Pratiques de désenvoutêment. Paris: La Découverte.

Pimenta Velloso Rocha, S. 2004. Os abismos da suspeita: Nietzsche e o perspectivismo. O que nos faz pensar, 14(18): 213–224.

Powell, J. 2019. Scientists Reach 100% Consensus on Anthropogenic Global Warming. Bulletin of Science, Technology & Society, 37(4): 183–184.

Proctor, R. N. 2015. The cigarette catastrophe continues. The Lancet 385(9972): 938–939.

Rofstadter, R. 1964. The Paranoid Style in American Politics”. Harper's Magazine.

Roque, T. 2020. Negacionismo no poder. Piauí 161: 28–32.

Rosenblum, N. L.; Muirhead, Russell. 2019. A Lot Of People Are Saying: The New Conspiracism And The Assault On Democracy. Princeton: Princeton University Press.

Rousso, H. 1990 [1987]. Le Syndrome de Vichy de 1944 a nos jours. Paris: Editions de Seuil, 2a. ed.

Shapin, S. 2019. Is There a Crisis of Truth? Los Angeles Review of Books [online].

Sippitt, A. 2019. Does the “backfire effect” exist—and does it matter for factcheckers? Full Fact Report, Londres.

Steffen, W.; et al. 2011. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Phil. Trans. R. Soc. A. 369: 842-867.

Stengers, I. 2003. Cosmopolitiques. Volumes I e II. Paris: La Découverte.

Stengers, I. 2005. Deleuze and Guattari’s last enigmatic message. Angelaki: Journal of the Theoretical Humanities 10(2): 151-167.

Stengers, I. 2015. Accepting The Reality Of Gaia: A Fundamental Shift? In: C. Hamilton; F. Gemenne; C. Bonneuil (orgs.). The Anthropocene and the Global Environmental Crisis: Rethinking modernity in a new epoch, p. 134–144.

Stengers, I. 2018. The challenge of ontological politics. In: M. Blaser; M. Cadena (orgs.). A world of many worlds. Durham and London: Duke University Press, p. 83–111.

Stringer, J. 2017. Why did anti-globalisation fail and anti-globalism succeed? Open Democracy [online].

Publicado

2021-11-23

Número

Sección

Special Issue: Science and Values