A implementação do você no português brasileiro: evidências da língua escrita

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/1984-8420.2021.e75570

Resumo

Este artigo focaliza a variação tu / você em tempo real de média duração (séculos XIX e XX). A proposta é realizar um estudo de painel, na linha laboviana, com base na produção epistolar de duas missivistas cariocas ao longo de suas vidas: juventude, adultez e velhice. Como já apontado por vários autores, o uso de fontes manuscritas, tais como cartas pessoais, desempenha um papel importante na pesquisa sócio-histórica. O objetivo é apontar como e quando teria ocorrido a inserção do você – em sua origem, uma forma de tratamento – no sistema pronominal do português brasileiro, vindo a substituir o tu como sujeito de 2SG. A hipótese inicial reside no fato de que a implementação de você teria uma correlação com o uso de usted, forma resultante de um processo de gramaticalização que se deu mais cedo no espanhol americano do que em português. As generalizações a que podemos chegar são as de que o processo de implementação do você, a julgar pelos dados analisados, se estendeu por, no mínimo, um século; (ii) o uso do você se mostrou quase categórico no final da década de 40 do século XX; e (iii) as duas missivistas encaminham-se em uma mesma direção quanto à implementação da forma pronominal você, embora apresentem distintos padrões de uso, explicáveis, talvez, pelo fato de uma delas ter exercido sua vida religiosa sempre no Brasil (MJ), em redes sociais densas, e a outra (MR), em geral, em outros países, em redes sociais difusas.

Biografia do Autor

Márcia Cristina de Brito Rumeu, Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais

Atualmente, é Professora Associada (Nível I) de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG), atua nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFMG. No momento, faz Pós-Doutorado, com Bolsa de Estágio do Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou entre outubro de 2015 e julho de 2018 como Gestora Editorial frente ao Setor de Periódicos da Faculdade de Letras da UFMG. Em 2013, publicou a sua Tese de Doutorado intitulada LÍNGUA E SOCIEDADE: A HISTÓRIA DO PRONOME 'VOCÊ' NO PORTUGUÊS BRASILEIRO por intermédio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com o apoio da FAPERJ. Em 2011, foi contemplada com o 'PREMIO JÓVENES INVESTIGADORES ALFAL', no XVI Congreso Internacional de la ALFAL (Asociación de Lingüística y Filología de la América Latina). Publica, desde 2002, em reconhecidos periódicos, capítulos de livros e artigos científicos voltados para a análise do sistema pronominal do português brasileiro. Possui experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, encaminhada principalmente para os seguintes temas: história dos pronomes pessoais do português, sociolinguística histórica da língua portuguesa no/do Brasil, edição de cartas setecentistas, oitocentistas e novecentistas. Concluiu a Graduação em Letras (1999), o Mestrado (2004) e o Doutorado (2008) em Letras Vernáculas, na área de Língua Portuguesa, pela Faculdade de Letras da UFRJ.

Dinah Maria Isensee Callou, Professora Emérita da Faculdade de Letras da UFRJ, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A

Graduação em Letras Anglo Germânicas pela Universidade Federal da Bahia (1959), Mestrado em Língua Portuguesa pela Universidade de Brasília (1965), Doutorado em Letras Vernáculas - Área Língua Portuguesa) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980) e Pós-Doutorado em Linguística (Universidade da California/Santa Bárbara, 1994-1995). Pesquisador 1A (bolsa de produtividade em pesquisa) do CNPq e Professor Titular (1992) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde atua desde 1966. Exerceu atividades na UFBA (1960-1962) e na UNB (1963-1965). Tem experiência na área de Fonética/Fonologia e Sintaxe, com ênfase em Sociolingüística e Lingüística Histórica, com produção nos seguintes temas: variação e mudança, português do Brasil, fala culta carioca, sócio-história. Aposentada em 2008, continua atuando no Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, tendo recebido o título de Professor Emérito em 02/09/2010.

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Publicado

2022-04-14