Uma proposta formal para a reanálise do verbo ir no português brasileiro: de lexical a funcional

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/1984-8420.2021.e76112

Resumo

Muitos linguistas já mostraram que a expressão de futuridade das línguas românicas sofre um processo cíclico, alternando-se ora em uma forma sintética ora em uma forma perifrástica. Isso se deve pela reanálise de algum item que se torna (mais) funcional, substituindo a forma sintética. Nesse sentido, o presente trabalho investiga o fenômeno de reanálise do verbo ir com o objetivo de capturar as mudanças sintáticas que esse item sofreu na história do PB. Para tanto, analiso peças teatrais brasileiras do século XVI ao século XXI. Mostro que o verbo ir, inicialmente, comportava-se como verbo lexical, disparando uma leitura de movimento. Mais tarde, sofreu reanálise e passou a ser funcional, apresentando propriedades de auxiliar. A inovação deste trabalho é mostrar que o verbo ir não sofreu reanálise diretamente para veicular futuridade, um evento em potência. Ao contrário, parece ter havido um estágio anterior nesse processo, em que ir veicula prospecção, isto é, uma ação que ocorre imediatamente após a fala. Assumindo Roberts e Roussou (2003) e Roberts (2007), proponho que de lexical a funcional, duas consequências sintáticas emergiram: perda de traços formais e  lexicalização ascendente das projeções funcionais. Assim, este estudo apresenta uma proposta formal explicativa para a reanálise do verbo ir no PB.

Referências

AMBAR, Manuela; GONZAGA, Manuela; NEGRÃO, Esmeralda. Tense, quantification and clause structure in EP and BP. Evidence from a comparative study on 'sempre'. In: BOKBENNEMA, Reineke et al. (eds.). Current Issues in Linguistic Theory 256. Amsterdam, Philadelphia: John Benjamins, 2004. cap.1. p. 1-16.

ANDERSEN, Henning. Abductive and Deductive Change. Language. Washington. v. 49. n. 4. p. 765-793. dez. 1973.

BALDE, Moctar. Semântica do Tempo Presente em Pulaar, Francês e Português: estudo comparativo. 2013. 102 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto.

BRITO, Ana Maria. Clause structure, subject positions and verb movement about the positions of sempre in European Portuguese and Brazilian Portuguese. In: D’HULST,Yves; ROORYCK, Johan; SCHROTEN, Jan (eds.). Current Issues in Linguistic Theory 221. Amsterdam, Philadelphia: John Benjamins, 2001. cap. 3. p. 63-85.

CHOMSKY, Noam & HALLE, Morris. The sound pattern of English. New York: Harper & Row, 1968.

CHOMSKY, Noam. Barriers. Cambridge, MA: The MIT Press, 1986.

CHOMSKY, Noam. Derivation by phase. In: KENSTOWICZ, Michael (ed.). Ken Hale: A Life in Language. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2001. cap. 1. p. 1-52.

CHOMSKY, Noam. Lectures on Government and Binding: The Pisa Lectures. Dordrecht: Foris, 1981.

CINQUE, Guglielmo. Adverbs and Functional Heads: a cross-linguistic perspective. New York: Oxford University Press, 1999.

COGHILL, Eleanor. The grammaticalization of prospective aspect in a group of Neoaramaic dialects. Diachronica. Amsterdam. v. 27. n. 3. p. 359-410. 2010.

COMRIE, Bernard. Aspect. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.

CYRINO, Sonia & MATOS, Gabriela. Elipse do VP e variação paramétrica. Cadernos de Estudos Linguísticos. Campinas. v. 42. n. 2. p. 195-206. 2007.

CYRINO, Sonia & MATOS, Gabriela. VP ellipsis in European and Brazilian Portuguese: a comparative analysis. Journal of Portuguese Linguistics. Lisboa. v. 1. n. 2. p. 177-195. 2002.

CYRINO, Sonia. On Richness of Tense and Verb Movement in Brazilian Portuguese. In: CAMACHO-TABOADA, Victoria; et al. (eds.). Information Structure and Agreement. Amsterdã: John Benjamins, 2013. cap. 12. p. 297-317.

DAHL, Osten. The grammar of future time reference in European languages. In: DAHL, Osten (ed.). Tense and Aspect in the Languages of Europe. Berlim; Nova Iorque: Mouton de Gruyter, 2000a. cap. 6. p. 309-328.

DAHL, Osten. Verbs of becoming as future copulas. In: DAHL, Osten (ed.). Tense and Aspect in the Languages of Europe. Berlim; Nova Iorque: Mouton de Gruyter, 2000b. cap. 8. p. 351-364.

DUARTE, Maria Eugênia et al. (org.). O sujeito em peças de teatro (1883-1992): estudos diacrônicos. São Paulo: Parábola, 2012.

ELLIOTT, Jennifer. Reallis and irrealis. Forms and concepts of the grammaticalization of reality. Linguistic Typology. Berlin. v. 4. n. 1. p. 55-90. 2000.

FRAWLEY, William. Linguistic Semantics. Hilssdale: Lawrence Erlbaum, 1992.

GONÇALVES, Anabela; COSTA, Teresa da. Auxiliar (a) Compreender os verbos auxiliares: descrição e implicações para o ensino do Português como língua estrangeira. Lisboa: Edições Colibri e Associação de Professores de Português, 2002.

LIGHTFOOT, David. How New Languages Emerge. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

LIGHTFOOT, David. How to Set Parameters: Arguments from Language Change. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1991 .

LIGHTFOOT, David. Principles of Diachronic Syntax. Cambridge: Cambridge University Press, 1979.

LIMA, José Pinto de. Sobre a gênese e a evolução do futuro com “ir” em português. In: SILVA, Augusto Soares da (org.). Linguagem e cognição. Braga: Associação Portuguesa de Linguística / Universidade Católica Portuguesa, 2001. cap. 6. p. 119-145.

LUNGUINHO, Marcus Vinícius. Dependências morfossintáticas: a relação verbo auxiliary forma nominal. Revista de Estudos da Linguagem. Belo Horizonte. v. 14. n. 2. p. 457 489.jun./dez. 2006.

LUNGUINHO, Marcus Vinícius. Verbos auxiliares e a sintaxe dos domínios não finitos. 2011. 215 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

MATEUS, Maria Helena Mira; et al. Gramática da Língua Portuguesa. 5. ed. Lisboa: Caminho, 2003.

MATOS, Gabriela & CYRINO, Sonia. Elipse de VP no Português Europeu e no Português Brasileiro. Revista da Abralin. Fortaleza. v. 26. p. 386-390. 2001.

MIOTO, Carlos. Algumas considerações sobre o presente do indicativo. Seminário do Grupo de Estudos Linguísticos de São Paulo, n. 10., 1985. Faculdade do Sagrado Coração, Bauru. 1985. p. 16-21.

MULLER, Ana & BERTUCCI, Roberlei. O aspecto e a interpretação de presente em línguas passado/não-passado versus línguas futuro/não-futuro. In: PILATI, Eloisa & MOREIRA, Bruna (Orgs.). Estudos Formalistas das Línguas Naturais. Campinas: Pontes, 2018. p. 11-48.

PESETSKY, David; TORREGO, Esther. The syntax of valuation and the interpretability of features. In: KARIMI, Simin; SAMIIAN, Vida; WILKINS, Wendy (eds.). Phrasal and Clausal Architecture: Syntactic Derivation and Interpretation. Amsterdã: John Benjamins, 2007. cap. 14. p. 262- 294.

REINTGES, Chris; CYRINO, Sonia. Analyticization and the syntax of the synthetic residue: A macrocomparative perspective. In: MARTINS, Ana Maria; CARDOSO, Adriana (Orgs.). Word Order Change. ed.1. Oxford: Oxford University Press, 2018. cap. 10. p. 179-201.

RESENDE, Maurício. A morfologia distribuída e as peças da nominalização: morfofonologia, morfossintaxe, morfossemântica. 2020. f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas.

ROBERTS, Ian. A formal account of grammaticalisation in the history of Romance futures. Folia Linguistica. Berlin. v. 26. n. Historica. p. 219-258. 1992.

ROBERTS, Ian; ROUSSOU, Anna. Syntactic change: a Minimalist approach to grammaticalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

ROBERTS, Ian. Diachronic Syntax. Nova Iorque: Oxford University Press, 2007.

ROBERTS, John. Modality in Amele and other Papuan languages. Journal of Linguistics. Cambridge. v. 26. n.2. p. 363-401. set. 1990.

SCHMITT, Cristina. Cross-Linguistic Variation And The Present Perfect: The Case Of Portuguese. Natural Language & Linguistic Theory. Berlin. v. 19. n. 2. p. 403-453. 2001.

SILVA, Amós Coêlho. Ars latina: curso prático da língua latina. Petrópolis: Vozes, 2012.

WURMBRAND, Susi. Infinitives are tenseless. University of Pennsylvania Working Papers. Filadélfia. v. 13. n. 1. p. 407-420. 2007.

Publicado

2022-04-14