Educação Científica, (Pós)Verdade e (Cosmo)Políticas das Ciências
DOI:
https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1120Resumo
Neste texto, nós buscamos pensar sobre cosmopolíticas das ciências e educação científica em tempos de pós-verdade, inspiradas na formulação de autores de estudos da ciência e da tecnologia, complicados por perspectivas pós-coloniais e feministas. Nosso ponto de partida é uma compreensão da pós-verdade como uma espécie de condição social e política mais do que uma coisa ou fenômeno contra o qual iremos nos opor. Deste modo, nós desenvolvemos nosso argumento sob uma valência dupla. Por um lado, defendemos afastar-nos de uma concepção de educação científica que, atada à recuperação de fantasias do projeto iluminista, se restrinja à denúncia ou ao esclarecimento. Por outro, nós nos dedicamos a uma leitura da relação com a verdade que não seja da ordem da fé, mas que se estabeleça em termos de como práticas científicas nos permitem levar a sério um engajamento ético com o mundo, o que implica tomar o ato de dizer a verdade como um trabalho corporificado de agir na incerteza. Ao nos deslocar de uma verdade afiliativa para a evocação performativa da verdade, defendemos, por fim, o reestabelecimento da conexão entre práticas científicas e cosmopolítica, bem como uma relacionalidade ética com a verdade na educação científica, que seja da ordem do encontro entre subjetividade e alteridade na construção de mundos possíveis e mais habitáveis.
Referências
ALTHUSSER, L. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
ÁVILA, G. Epistemologias em conflito: uma contribuição à história das guerras da ciência. 2011. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1968.
BAGGINI, J. A Short History of Truth: Consolations for a Post-truth World. London: Quercus Editions, 2017.
BARAD, K. Nature’s queer performativity. Women, Gender & Research, v. 1, n. 2, p. 25-53, 2012.
BARAD, K. Meeting the Universe Halfway. Durham: Duke University Press, 2007.
BIESTA, G. The beautiful risk of education. Colorado: Paradigm Publishers, 2014.
BIESTA, G. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Vozes: Petrópolis, 1996.
BOURDIEU, P. Science de la science et réflexivité. Paris: Raisons d’Agir, 2001.
BRIDLE, J. A nova idade das trevas: a tecnologia e o fim do futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
BRITZMAN, D. P. Practice makes practice: Acritical study of learning to teach. Albany: State University of New York Press, 2003.
BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Politéia, 2019.
BROWN, W. Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. Nova York: The MIT Press, Zone Books, 2015.
BURNS, J.; GREEN, C.; NOLAN, J. New Genealogies and the Courage of Truth: Toward an Ethics of Adversarial Public Educational Scholarship and Policy Activism. Education Policy Analysis Archives, v. 26, n. 151, 2018
BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
CANGUILHEM, G. La formation du concept de réflexe aux XVII et XVIII siècles. Paris: Presses Universitaries de France, 1977.
CARDOSO, L. Homo experimentalis: dispositivo da experimentação e tecnologias de subjetivação no currículo de aulas experimentais de ciências. 2012. Tese – (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
CESARINO, L. Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista Antropologia, v. 62 n. 3, p. 530-557, 2019.
DASTON, L. Things That Talk: Object Lessons from Art and Science. London: Zone Books, 2004.
DASTON, L.; GASTON, P. Objectivity. Londres: Zone Books, 2007.
DAVIES, W. The Age of Post-truth Politics. The New York Times, 24 de agosto de 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/08/24/opinion/campaign-stops/the-age-of-post-truth-politics.html. Acesso em: mai. 2020.
DAWKINS, R. O capelão do diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
DEBAISE, D.; STENGERS, I. The Insistence of Possibles: Towards a Speculative Pragmatism. Parse Journal, v. 7, 2017. Disponível em: https://parsejournal.com/article/the-insistence-of-possibles%E2%80%A8-towards-a-speculative-pragmatism/. Acesso em: abr. 2020.
DÖVELING, K.; HARJU, A. A.; SOMMER, D. From Mediatized Emotion to Digital Affect Cultures: New Technologies and Global Flows of Emotion. Social Media + Society, p. 1-11, 2018.
EL-NANI, C.; MEYER, D. Retornando à Verdade, Superando um Mundo Pós-Factual. Blog Darwinianas: ciência em movimento. Disponível em: https://darwinianas.com/2019/02/05/retornando-a-verdade-superando-um-mundo-pos-factual/. Acesso em: mai. 2020.
ELLSWORTH, E. Why Doesn’t This Feel Empowering? Working Through the Repressive Myths of Critical Pedagogy. Harvard Educational Review, v. 59, n. 3, p. 297-325, 1989.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FOUCAUL, M. A verdade e as formas jurídicas. São Paulo: NAU Editora, 2005.
FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
FERREIRA DA SILVA, D. Toward a Global Idea of Race. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007.
GILROY, P. Against Race: Imagining Political Culture Beyond the Color Line. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
GIROUX, H. Education and the crisis of public values: Challenging the assault on teachers, students, & public education. New York: Peter Lang, 2012.
HABERMAS, J. Three Normative Models of Democracy. BENHABIB, S. Democracy and Difference. Nova York: Columbia University Press, 1996.
HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, p. 7-41, 1995.
HARAWAY, D. Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan©_Meets_OncoMouseTM. Nova York: Rouledge, 1997.
HARDING, S. Objectivity and Diversity: Another Logic of Scientific Research. Chicago: The University of Chicago Press, 2015.
HARSIN, J. Trump l’Œil: Is Trump’s Post-truth Communication Translatable? Contemporary French and Francophone Studies, v. 21, n. 5, p. 512-522, 2018.
HORSTHEMKE, K. ‘#FactsMustFall’? – education in a post-truth, posttruthful world. Ethics and Education, v. 1, n. 3, p. 1-16, 2017.
HUI, Y. The Question Concerning Technology In China: An Essay in Cosmotechnics. Windsor: Urbanomic Media, 2016.
KALPOKAS, I. A Political Theory of Post-Truth. Nova York: Palgrave Macmillan, 2019.
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2001.
LATHER, P. Fertile Obsession: Validity After Poststructuralism. Sociological Quarterly, v. 34, n. 4, p. 673-693,1993.
LAPOUJADE, D. As existências mínimas. São Paulo: n-1, 2017.
LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. UNESP, 2011.
LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Ed. UNESP, 2017a.
LATOUR, B. Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Cambridge: Polity Press, 2017b.
LATOUR, B. From Real Politik to Dingpolitik: or How to Make Things Public. In: LATOUR, B.; WEIBEL, P. (Eds). Making Things Public. Cambridge: MIT Press, 2005. p. 14-41.
LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: EDUSC, 2004a.
LATOUR, B. How to Talk about the Body? The Normative Dimension of Science Studies. Body and Society, v. 10, p. 205-29, 2004b.
LATOUR, B.; WOOLGAR, S. Laboratory life: The Construction of Scientific Facts. Princeton: Princeton University Press, 1986.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
LIMA, N. et al. Educação em Ciências nos Tempos de Pós-Verdade: Reflexões Metafísicas a partir dos Estudos das Ciências de Bruno Latour. Revista Brasileira De Pesquisa Em Educação Em Ciências, n. 19, p. 155-189, 2019.
LOCKIE, S. Post-truth politics and the social sciences. Environmental Sociology, v. 2, p. 233–237, 2016.
LOPES, E. A sagrada missão pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
MACEDO, E.; RANNIERY, T. Políticas Públicas de Currículo: diferença e a ideia de público. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 3, p. 739-759, set./dez. 2018.
MAHMOOD, S. Religious Difference in a Secular Age: a Minority Report. Princeton: Princeton Universiy Press, 2016.
MAIR, J. Post-truth Anthropology. Anthropology Today, v. 33, n. 3, p. 3-4, 2017.
MANNING, E. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016.
MANNING, E. Em direção a uma política da imediação. In: DIAS, S.; WEIDEMANN, S.; RODRIGUES, A. (Orgs). Conexões: Deleuze e Cosmopolíticas e Ecologias Radicais e Nova Terra e… Campinas, SP: ALB/ClimaCom, 2019. p. 9-24.
MARSHALL, P. D.; HENDERSON, N. Political Persona 2016: An Introduction. Persona Studies, v. 2, n. 2, p. 1-18, 2016.
McGRANAHAN, C. An anthropology of lying: Trump and the political sociality of moral outrage. American Ethnologist, v. 2, p. 243-248, 2017.
MCINTYRE, L. Post-truth. Cambridge: MIT Press, 2018.
MIGNOLO, W. D. Sylvia Wynter: What does it mean to be human? In: MCKITTRICK, K. (Ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke Univeristy Press, 2015. p. 106-123.
MODOROZ, E. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
MORTIMER, E. As chamas e os cristais revisitados: estabelecendo diálogo entre a linguagem científica e a linguagem cotidiana no ensino das Ciências da natureza. In: SANTOS, W et al. (Orgs.). Ensino de Química em Foco. Ijuí: Editora Unijuí, 2019, v. 1, p. 157-173.
MORTIMER, E. Sobre Chamas e Cristais: A linguagem científica, a linguagem cotidiana e o Ensino de Ciências. In: CHASSOT, A.; OLIVEIRA, R. J. Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p. 99-118.
MYERS, N. Rendering Life Molecular: Models, Modelers, and Excitable Matter. Durham: Duke University Press, 2015.
PRAIA, J; CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D. Problema, teoria e observação em ciência: para uma reorientação epistemológica da educação em ciência. Ciência & Educação, v. 8, n. 1, p. 127-145, 2002.
POPPER, K. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
RAVITCH, D. The death and life of the great American school system: How testing and choice are undermining education. Nova York: Basic Books, 2010.
SHARMA, N. Strategic anti-essentialism: decolonizing decolonization. In: MCKITTRICK, K. (ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke University Press, 2015. p. 164-182.
SERRES, M. The Natural Contract. Ann Arbor: Michigan University Press, 1995.
SIMONDON, G. The Genesis of the Individual. In: CRARY, J.; KWINTER, S. (Eds). Incorporations. Cambridge: Zone Books, 1992. p. 296-319.
SNOW, C. As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: Edusp, 1995.
SOKAL, A. Transgredindo as fronteiras: um posfácio. In: BRICMONT, J.; SOKAL, A. Imposturas Intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Rio de Janeiro: Record. 1999. p. 285-296.
STENGERS, I. “Outra ciência é possível!” Um apelo à Slow Science. Cadernos do Ateliê, v. 11, n. 5, p. 1-38, 2019.
STENGERS, I. Reativar o animismo. Cadernos de Leitura, n. 62, p. 1-15, 2-17.
STENGERS, I. Cosmopolitics II. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2011.
STENGERS, I. Cosmopolitics I. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.
STENGERS, I. A invenção das ciências modernas. São Paulo: ED. 34, 1997.
SUITER, J. Post-truth Politics. Political Insight, v. 7, n. 3, p. 25-27, 2016.
VIEIRA, M. A metáfora religiosa do “caminho construtivista”. In: SILVA, T. T. (Org). Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 76-94.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001.
WYNTER, S.; MCKITTRICK, K. Unparalleled Catastrophe for Our Species? Or, to Give Humanness a Different Future: Conversations. In: MCKITTRICK, K. (Ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke Univeristy Press, 2015. p. 164-182.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE Certifico que participei da concepção do trabalho, em parte ou na íntegra, que não omiti quaisquer ligações ou acordos de financiamento entre os autores e companhias que possam ter interesse na publicação desse artigo. Certifico que o texto é original e que o trabalho, em parte ou na íntegra, ou qualquer outro trabalho com conteúdo substancialmente similar, de minha autoria, não foi enviado a outra revista e não o será enquanto sua publicação estiver sendo considerada pelo Caderno Brasileiro de Ensino de Física, quer seja no formato impresso ou no eletrônico.
Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, SC, Brasil - - - eISSN 2175-7941 - - - está licenciada sob Licença Creative Commons > > > > >