Educação Científica, (Pós)Verdade e (Cosmo)Políticas das Ciências

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1120

Resumo

Neste texto, nós buscamos pensar sobre cosmopolíticas das ciências e educação científica em tempos de pós-verdade, inspiradas na formulação de autores de estudos da ciência e da tecnologia, complicados por perspectivas pós-coloniais e feministas. Nosso ponto de partida é uma compreensão da pós-verdade como uma espécie de condição social e política mais do que uma coisa ou fenômeno contra o qual iremos nos opor. Deste modo, nós desenvolvemos nosso argumento sob uma valência dupla. Por um lado, defendemos afastar-nos de uma concepção de educação científica que, atada à recuperação de fantasias do projeto iluminista, se restrinja à denúncia ou ao esclarecimento. Por outro, nós nos dedicamos a uma leitura da relação com a verdade que não seja da ordem da fé, mas que se estabeleça em termos de como práticas científicas nos permitem levar a sério um engajamento ético com o mundo, o que implica tomar o ato de dizer a verdade como um trabalho corporificado de agir na incerteza. Ao nos deslocar de uma verdade afiliativa para a evocação performativa da verdade, defendemos, por fim, o reestabelecimento da conexão entre práticas científicas e cosmopolítica, bem como uma relacionalidade ética com a verdade na educação científica, que seja da ordem do encontro entre subjetividade e alteridade na construção de mundos possíveis e mais habitáveis. 

Biografia do Autor

Thiago Ranniery, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Doutor em Educação (PROPED/UERJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Vice-Diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Jovem Cientista Nosso Estado da FAPERJ e líder do BAFO! – Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ética e Diferença (CNPq/UFRJ).

Renata Telha, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Bacharel e Licenciada em História (UERJ), Especialista em História do Brasil (UFF), Mestra em Educação (FE/UFRJ), Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (FE/UFRJ). É professora de História da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro e membro do BAFO! – Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ética e Diferença (CNPq/UFRJ).

Nathalia Terra, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Colégio de Aplicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Licenciada em Química (UFRJ), Mestra em Educação (PROPED/UERJ) e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (FE/UFRJ) (UFRJ). É professora de Química do Colégio de Aplicação da UFRJ e membro do BAFO! – Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ética e Diferença (CNPq/UFRJ).

Referências

ALTHUSSER, L. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

ÁVILA, G. Epistemologias em conflito: uma contribuição à história das guerras da ciência. 2011. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1968.

BAGGINI, J. A Short History of Truth: Consolations for a Post-truth World. London: Quercus Editions, 2017.

BARAD, K. Nature’s queer performativity. Women, Gender & Research, v. 1, n. 2, p. 25-53, 2012.

BARAD, K. Meeting the Universe Halfway. Durham: Duke University Press, 2007.

BIESTA, G. The beautiful risk of education. Colorado: Paradigm Publishers, 2014.

BIESTA, G. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Vozes: Petrópolis, 1996.

BOURDIEU, P. Science de la science et réflexivité. Paris: Raisons d’Agir, 2001.

BRIDLE, J. A nova idade das trevas: a tecnologia e o fim do futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.

BRITZMAN, D. P. Practice makes practice: Acritical study of learning to teach. Albany: State University of New York Press, 2003.

BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Politéia, 2019.

BROWN, W. Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. Nova York: The MIT Press, Zone Books, 2015.

BURNS, J.; GREEN, C.; NOLAN, J. New Genealogies and the Courage of Truth: Toward an Ethics of Adversarial Public Educational Scholarship and Policy Activism. Education Policy Analysis Archives, v. 26, n. 151, 2018

BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

CANGUILHEM, G. La formation du concept de réflexe aux XVII et XVIII siècles. Paris: Presses Universitaries de France, 1977.

CARDOSO, L. Homo experimentalis: dispositivo da experimentação e tecnologias de subjetivação no currículo de aulas experimentais de ciências. 2012. Tese – (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

CESARINO, L. Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista Antropologia, v. 62 n. 3, p. 530-557, 2019.

DASTON, L. Things That Talk: Object Lessons from Art and Science. London: Zone Books, 2004.

DASTON, L.; GASTON, P. Objectivity. Londres: Zone Books, 2007.

DAVIES, W. The Age of Post-truth Politics. The New York Times, 24 de agosto de 2016. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/08/24/opinion/campaign-stops/the-age-of-post-truth-politics.html. Acesso em: mai. 2020.

DAWKINS, R. O capelão do diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

DEBAISE, D.; STENGERS, I. The Insistence of Possibles: Towards a Speculative Pragmatism. Parse Journal, v. 7, 2017. Disponível em: https://parsejournal.com/article/the-insistence-of-possibles%E2%80%A8-towards-a-speculative-pragmatism/. Acesso em: abr. 2020.

DÖVELING, K.; HARJU, A. A.; SOMMER, D. From Mediatized Emotion to Digital Affect Cultures: New Technologies and Global Flows of Emotion. Social Media + Society, p. 1-11, 2018.

EL-NANI, C.; MEYER, D. Retornando à Verdade, Superando um Mundo Pós-Factual. Blog Darwinianas: ciência em movimento. Disponível em: https://darwinianas.com/2019/02/05/retornando-a-verdade-superando-um-mundo-pos-factual/. Acesso em: mai. 2020.

ELLSWORTH, E. Why Doesn’t This Feel Empowering? Working Through the Repressive Myths of Critical Pedagogy. Harvard Educational Review, v. 59, n. 3, p. 297-325, 1989.

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FOUCAUL, M. A verdade e as formas jurídicas. São Paulo: NAU Editora, 2005.

FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FERREIRA DA SILVA, D. Toward a Global Idea of Race. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2007.

GILROY, P. Against Race: Imagining Political Culture Beyond the Color Line. Cambridge: Harvard University Press, 2000.

GIROUX, H. Education and the crisis of public values: Challenging the assault on teachers, students, & public education. New York: Peter Lang, 2012.

HABERMAS, J. Three Normative Models of Democracy. BENHABIB, S. Democracy and Difference. Nova York: Columbia University Press, 1996.

HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, p. 7-41, 1995.

HARAWAY, D. Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan©_Meets_OncoMouseTM. Nova York: Rouledge, 1997.

HARDING, S. Objectivity and Diversity: Another Logic of Scientific Research. Chicago: The University of Chicago Press, 2015.

HARSIN, J. Trump l’Œil: Is Trump’s Post-truth Communication Translatable? Contemporary French and Francophone Studies, v. 21, n. 5, p. 512-522, 2018.

HORSTHEMKE, K. ‘#FactsMustFall’? – education in a post-truth, posttruthful world. Ethics and Education, v. 1, n. 3, p. 1-16, 2017.

HUI, Y. The Question Concerning Technology In China: An Essay in Cosmotechnics. Windsor: Urbanomic Media, 2016.

KALPOKAS, I. A Political Theory of Post-Truth. Nova York: Palgrave Macmillan, 2019.

KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2001.

LATHER, P. Fertile Obsession: Validity After Poststructuralism. Sociological Quarterly, v. 34, n. 4, p. 673-693,1993.

LAPOUJADE, D. As existências mínimas. São Paulo: n-1, 2017.

LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. UNESP, 2011.

LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: Ed. UNESP, 2017a.

LATOUR, B. Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime. Cambridge: Polity Press, 2017b.

LATOUR, B. From Real Politik to Dingpolitik: or How to Make Things Public. In: LATOUR, B.; WEIBEL, P. (Eds). Making Things Public. Cambridge: MIT Press, 2005. p. 14-41.

LATOUR, B. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Bauru: EDUSC, 2004a.

LATOUR, B. How to Talk about the Body? The Normative Dimension of Science Studies. Body and Society, v. 10, p. 205-29, 2004b.

LATOUR, B.; WOOLGAR, S. Laboratory life: The Construction of Scientific Facts. Princeton: Princeton University Press, 1986.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

LIMA, N. et al. Educação em Ciências nos Tempos de Pós-Verdade: Reflexões Metafísicas a partir dos Estudos das Ciências de Bruno Latour. Revista Brasileira De Pesquisa Em Educação Em Ciências, n. 19, p. 155-189, 2019.

LOCKIE, S. Post-truth politics and the social sciences. Environmental Sociology, v. 2, p. 233–237, 2016.

LOPES, E. A sagrada missão pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

MACEDO, E.; RANNIERY, T. Políticas Públicas de Currículo: diferença e a ideia de público. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 3, p. 739-759, set./dez. 2018.

MAHMOOD, S. Religious Difference in a Secular Age: a Minority Report. Princeton: Princeton Universiy Press, 2016.

MAIR, J. Post-truth Anthropology. Anthropology Today, v. 33, n. 3, p. 3-4, 2017.

MANNING, E. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016.

MANNING, E. Em direção a uma política da imediação. In: DIAS, S.; WEIDEMANN, S.; RODRIGUES, A. (Orgs). Conexões: Deleuze e Cosmopolíticas e Ecologias Radicais e Nova Terra e… Campinas, SP: ALB/ClimaCom, 2019. p. 9-24.

MARSHALL, P. D.; HENDERSON, N. Political Persona 2016: An Introduction. Persona Studies, v. 2, n. 2, p. 1-18, 2016.

McGRANAHAN, C. An anthropology of lying: Trump and the political sociality of moral outrage. American Ethnologist, v. 2, p. 243-248, 2017.

MCINTYRE, L. Post-truth. Cambridge: MIT Press, 2018.

MIGNOLO, W. D. Sylvia Wynter: What does it mean to be human? In: MCKITTRICK, K. (Ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke Univeristy Press, 2015. p. 106-123.

MODOROZ, E. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu Editora, 2018.

MORTIMER, E. As chamas e os cristais revisitados: estabelecendo diálogo entre a linguagem científica e a linguagem cotidiana no ensino das Ciências da natureza. In: SANTOS, W et al. (Orgs.). Ensino de Química em Foco. Ijuí: Editora Unijuí, 2019, v. 1, p. 157-173.

MORTIMER, E. Sobre Chamas e Cristais: A linguagem científica, a linguagem cotidiana e o Ensino de Ciências. In: CHASSOT, A.; OLIVEIRA, R. J. Ciência, ética e cultura na educação. São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p. 99-118.

MYERS, N. Rendering Life Molecular: Models, Modelers, and Excitable Matter. Durham: Duke University Press, 2015.

PRAIA, J; CACHAPUZ, A.; GIL-PÉREZ, D. Problema, teoria e observação em ciência: para uma reorientação epistemológica da educação em ciência. Ciência & Educação, v. 8, n. 1, p. 127-145, 2002.

POPPER, K. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.

RAVITCH, D. The death and life of the great American school system: How testing and choice are undermining education. Nova York: Basic Books, 2010.

SHARMA, N. Strategic anti-essentialism: decolonizing decolonization. In: MCKITTRICK, K. (ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke University Press, 2015. p. 164-182.

SERRES, M. The Natural Contract. Ann Arbor: Michigan University Press, 1995.

SIMONDON, G. The Genesis of the Individual. In: CRARY, J.; KWINTER, S. (Eds). Incorporations. Cambridge: Zone Books, 1992. p. 296-319.

SNOW, C. As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: Edusp, 1995.

SOKAL, A. Transgredindo as fronteiras: um posfácio. In: BRICMONT, J.; SOKAL, A. Imposturas Intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Rio de Janeiro: Record. 1999. p. 285-296.

STENGERS, I. “Outra ciência é possível!” Um apelo à Slow Science. Cadernos do Ateliê, v. 11, n. 5, p. 1-38, 2019.

STENGERS, I. Reativar o animismo. Cadernos de Leitura, n. 62, p. 1-15, 2-17.

STENGERS, I. Cosmopolitics II. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2011.

STENGERS, I. Cosmopolitics I. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.

STENGERS, I. A invenção das ciências modernas. São Paulo: ED. 34, 1997.

SUITER, J. Post-truth Politics. Political Insight, v. 7, n. 3, p. 25-27, 2016.

VIEIRA, M. A metáfora religiosa do “caminho construtivista”. In: SILVA, T. T. (Org). Liberdades reguladas: a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 76-94.

WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001.

WYNTER, S.; MCKITTRICK, K. Unparalleled Catastrophe for Our Species? Or, to Give Humanness a Different Future: Conversations. In: MCKITTRICK, K. (Ed). Sylvia Wynter: On being human as praxis. Durham: Duke Univeristy Press, 2015. p. 164-182.

Downloads

Publicado

2020-12-16

Como Citar

Ranniery, T., Telha, R., & Terra, N. (2020). Educação Científica, (Pós)Verdade e (Cosmo)Políticas das Ciências. Caderno Brasileiro De Ensino De Física, 37(3), 1120–1146. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1120

Edição

Seção

Artigos