Escrita generativa algorítmica e universidade pós-humanista: a redação do ENEM na grande assemblagem cognitiva
DOI:
https://doi.org/10.5007/1984-8412.2024.e98014Palavras-chave:
Inteligência artificial generativa, Escrita, Pós-humanismo, ENEM, Ensino superiorResumo
Neste ensaio, buscamos refletir sobre o atual boom das escritas gerativas (ou generativas) de inteligência artificial no contexto de preparação e avaliação de estudantes brasileiros para o ensino superior a partir da teoria da assemblagem cognitiva aplicada à redação do ENEM como instrumento de seleção de leitores-escritores compatíveis com uma universidade pós-humanista crítica. Depois de descrever e explicar o funcionamento básico de um grande modelo de linguagem como o que subjaz ao notório ChatGPT, inclusive seus modos de “raciocínio”, e esclarecer alguns dos mitos a seu respeito, propomos uma analogia entre o funcionamento desses modelos e o sistema de avaliação de escrita via redação do ENEM pela ótica da assemblagem. Concluímos que, embora a proposta de redação do ENEM tenha alguma eficácia em filtrar os modos de atenção-e-reconhecimento humanos em relação aos cibernético-computacionais, o sistema de avaliação como um todo também adquire modos de lidar com a linguagem análogos a algoritmos de cognição não humana. Ao final, discutimos essa conclusão à luz da consideração do ideal pós-humanista crítico de universidade e de escrita.
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