A trama das narrativas na clínica fonoaudiológica: uma estratégia para desvendar a medicalização

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/1984-8412.2025.e99468

Palavras-chave:

Narrativa, Linguagem, Entrevista, Fonoaudiologia, Medicalização

Resumo

O objetivo desta pesquisa é analisar a narrativa de vida na área da Fonoaudiologia. A metodologia adotada foi um estudo de caso que envolveu uma menina de 9 anos de idade com dificuldade escolar. A criança teve sua história narrada pela avó e pela mãe durante uma entrevista em uma clínica-escola. Os dados foram analisados tendo como base os estudos de Mota (2013), Bakhtin e Vygotsky. Os resultados revelam que os narradores encadeiam fatos visando explicar aspectos que, por escaparem do que seria “o esperado”, marcam a diferença da criança. Essas narrativas trazem vestígios da prática médica dominante, uma vez que as características da criança foram interpretadas como manifestações sintomáticas de transtornos de aprendizagem, de atenção e de processamento auditivo. As narrativas da avó e da mãe se aproximam, no que diz respeito à internalização dos diagnósticos recebidos pela criança, pois, em tese, estes explicariam a suposta causa para os “desafios” retratados na queixa. Conclui-se que as vozes mapeadas durante a análise das narrativas servem de veículo para legitimar o fenômeno da medicalização.

Biografia do Autor

Ana Paula Santana, Universidade Federal de Santa Catarina

Ana Paula Santa é professora da UFSC, do departamento de Fonoaudiologia. 

Rita de Cassia Fernandes Signor, UFSC

Fonoaudióloga da Univali

Sandra Maia-Vasconcelos , Universidade Federal do Ceará

Doutora em Ciências da Educação. Atualmente é professora da Universidade Federal do Ceará.

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Publicado

2025-03-17

Edição

Seção

Dossiê | Narratologia e suas interfaces: Saúde e Educação