Consumidores e agricultura orgânica em Portugal: significados e (des)confiança

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020v19n44p66

Resumo

Nos últimos anos do corrente século, o sector da agricultura orgânica tem visto as suas áreas de produção, cotas de mercado e número de consumidores a crescer. Na União Europeia, o enquadramento legal deste modo de produção data do início dos anos 90 do século XX, mas ao longo dos anos esta legislação tem sido alvo de várias alterações. Apesar de um enquadramento legal apertado surgem, por vezes, situações de fraude ou controvérsia em torno da fiscalização e certificação dos produtos orgânicos. As falhas dos sistemas periciais, técnicos, científicos no controlo e monitorização da produção alimentar orgânica, mesmo que ocorram excecionalmente, quando são divulgadas pelos media acabam por aumentar junto dos consumidores a desconfiança e a falta de credibilidade na origem de produção destes alimentos. Neste texto, com base em dados qualitativos e quantitativos, analisam-se os significados que os consumidores têm sobre os produtos orgânicos, muitas vezes confundindo-os com os produtos que cultivam em casa ou que lhes são oferecidos pelas suas redes familiares, de amigos e vizinhos. Também se analisam os mecanismos de construção de uma relação de confiança com os alimentos orgânicos, que passam tanto pelo conhecimento pericial inscrito num certificado e num logotipo, como também pelo conhecimento tácito, leigo, experiencial e sensorial que têm com estes alimentos no seu quotidiano. Conclui-se que os consumidores usam diferentes e múltiplas estratégias, conjugando o conhecimento pericial com o conhecimento mais leigo, para se assegurarem que o que ingerem nos seus corpos são mesmo produtos orgânicos. 

Biografia do Autor

Mónica Trüninger, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Mónica Truninger, socióloga, investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa onde coordena vários projetos nacionais e internacionais na área da alimentação, consumo e sustentabilidade. Coordenadora das equipas do ICS que participam ou participaram recentemente em três projetos internacionais: um sobre as questões da frescura alimentar (FRESH/ESRC); o outro sobre pobreza e insegurança alimentar (FFHT/ERC); e o terceiro é um projeto Horizonte 2020 (SafeConsumE) que pretende melhorar os comportamentos de risco dos consumidores quando manipulam alimentos em casa. É ainda co-investigadora responsável do projeto STRINGS financiado pela FCT, que trata as relações entre o comercio de produtos locais nas cidades e os seus locais de origem em contexto rural. Co-coordenou (juntamente com Luísa Schmidt) o I e o II Inquéritos sobre Sustentabilidade em Portugal (uma parceria entre o ICS e a Missão Continente), os quais tiveram lugar em 2016 e 2019. É coordenadora do grupo de investigação Ambiente, Território e Sociedade do ICS-ULisboa. É ainda membro do OBSERVA – Observatório de Ambiente e Sociedade. Autora de vários artigos e livros nacionais e internacionais. O seu livro mais recente é Alimentação em Tempos de Crisepublicado pela Imprensa de Ciências Sociais em 2019, onde coordena a equipa constituída pelos co-autores Ana Horta, Sónia Cardoso, Fábio Augusto, José Teixeira e Ana Fontes.

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Publicado

2020-04-30

Edição

Seção

Dossiê Temático