[CfP - vol. 45, número especial 2]: Subjetividade e materialidade na tradução audiovisual e acessibilidade midiática
Editores convidados
Willian Moura (Universidade Federal de Santa Catarina) e Iván Villanueva-Jordán (Universidade Peruana de Ciências Aplicadas)
Existe uma oposição predominante no discurso acadêmico entre subjetividade e objetividade, especialmente em sua relação com a verdade. A subjetividade é frequentemente associada ou confundida com viés ou distorção em métodos de pesquisa ou análise de dados, enquanto a objetividade é vista como uma promessa de habitar o espaço cartesiano, de observar e compreender a realidade “como ela é” a partir de uma perspectiva humanista. No âmbito dos Estudos da Tradução, a pesquisa sobre produção e recepção de textos, bem como sobre os textos enquanto produtos, requer o reconhecimento de que a linguagem, entre outros meios de comunicação, não é apenas um objeto de pesquisa, mas também um meio de representação de construções ideológicas e artefatos culturais (Angelelli & Baer, 2016). Os artefatos com carga ideológica, criados por meio da linguagem e de outros meios semióticos, não apenas funcionam como ferramentas para representar a realidade, mas também desempenham um papel na integração de distorções ou na criação de discursos totalizantes sobre o mundo. A subjetividade está relacionada à maneira como os sujeitos estabelecem sua própria formação como parte de uma temporalidade social e histórica mais ampla, e não apenas como efeitos do discurso (Butler, 2005). A subjetividade, como um processo, implica que os indivíduos constantemente atualizam sua compreensão de si mesmos e da realidade, moldados pela experiência intelectual, percepção externa, sensações e experiências corporificadas. Nos processos de subjetivação, a materialidade nunca deixa de estar presente nas formas de percepção e semiose. Por exemplo, mesmo na leitura, as sensações fazem parte dos processos de compreensão, por mais cerebral que seja a ação (Massumi, 2002, p. 151). Para Massumi, o corpo é um sensor que sempre responde à percepção de imagens, sejam elas visuais, sonoras ou de outros tipos. Ele sugere que o corpo, ou os corpos, transcende o status de objeto, que funciona simultaneamente como matéria e processo dinâmico para capturar momentos de experiências reais e virtuais.
Partindo da ideia do corpo como um sensor, este número especial da Cadernos de Tradução pretende buscar conexões com a pesquisa de Ahmed (2014) sobre a influência mútua das emoções e do corpo. Como argumenta Koskinen (2020, p. 21), “O afeto (também) é corporificado”. Todas as línguas desenvolveram inúmeras estratégias para lidar, ajustar e manipular afetos. Na tradução, essas estratégias são comparadas no âmbito das línguas envolvidas e em relação aos contextos dos textos em questão (Koskinen, 2020). Nesse sentido, Lima et al. (2023) compartilham uma perspectiva semelhante ao examinarem a interação entre tradução e corpo. Elas afirmam que as políticas corporais desempenham um papel crucial nos processos de tradução, tanto na teoria quanto na prática. Segundo essas autoras, a tradução não é apenas uma atividade cognitiva, mas também uma experiência física e emocional (Lima et al., 2023). Essas perspectivas convidam a investigar como as respostas do corpo a vários estímulos, incluindo inputs digitais e virtuais, moldam as subjetividades individuais e contribuem para a construção do conhecimento corporificado, o que pode influenciar em como a tradução é compreendida e aplicada (Iturregui-Gallardo & Soler-Vilageliu, 2021; Ramos Caro et al., 2021).
Este número especial tem como objetivo reunir estudos que explorem a relação entre materialidade e subjetividade na tradução audiovisual (TAV) e acessibilidade midiática. Um ponto-chave é o corpo, ou os corpos, como um processo material e uma interface, sentindo e processando as traduções e o ato de traduzir. O foco do número especial se estende para além das visões de tradução e acessibilidade como representacionais, semióticas ou comunicativas. Ele adentra em como essas práticas conferem significados que ressoam e deixam marcas no corpo e na subjetividade dos agentes de tradução e do público espectador. Estamos particularmente interessados em pesquisas que interseccionam a fisicalidade do corpo com objetos materiais e processos e recursos semióticos. Isso pode ser observado no campo dos estudos do afeto, conforme discutido por Koskinen (2020), ou através da abordagem ideossomática apresentada por Robinson (2015). Estudos ergonômicos sobre TAV e acessibilidade midiática, especialmente aqueles que enfatizam os aspectos fenomenológicos, ou seja, como tradutores e tradutoras audiovisuais experimentam fisicamente e emocionalmente seu trabalho em ambientes profissionais ou educacionais, também são de grande interesse.
Perguntas-chave:
Oferecemos as seguintes perguntas-chave que poderão auxiliar nas contribuições para este número especial no âmbito da materialidade, subjetividade, TAV e acessibilidade midiática:
- Qual é o papel da TAV e da acessibilidade na construção de subjetividades por meio de conteúdos midiáticos?
- Como a expressão de subjetividades na TAV e na acessibilidade midiática pode transformar ou contribuir para práticas padronizadas, critérios de qualidade ou recepção da audiência?
- De que maneiras a TAV e a acessibilidade midiática podem apoiar ou proporcionar a expressão de subjetividades?
- Que papel a tecnologia desempenha na mediação das subjetividades e da materialidade tanto na TAV quanto na acessibilidade midiática?
- Como fatores culturais e linguísticos moldam a experiência subjetiva do conteúdo audiovisual traduzido?
- Como os conceitos de qualidade na TAV e na acessibilidade midiática podem ser desafiados ao considerar as experiências da audiência para além dos critérios de qualidade padronizados
- Como a análise comparativa, comumente utilizada nos Estudos da Tradução (textos-fonte em contraste com textos-meta) pode integrar uma dimensão material além de analisar o discurso como representação na TAV e na acessibilidade midiática?
- De que maneiras a TAV e a acessibilidade midiática são economicamente sustentáveis para profissionais? Que perspectivas críticas podem ser argumentadas em um contexto global onde a inteligência artificial (IA) e a tradução automática (TA) estão avançando rapidamente?
- Que evidências empíricas, que consideram as posições subjetivas e experiências corporificadas de tradutoras e tradutores audiovisuais, podem ser utilizadas para desafiar lugares-comuns a favor ou contra a IA e a TA?
- Como os aplicativos e as redes sociais tornaram a TAV mais acessível para usuários que agora traduzem, legendam e dublam conteúdos como parte de suas atividades cotidianas? Essas tecnologias de TAV podem ser consideradas parte de sua agência e subjetividade? Elas se tornaram ou agora são consideradas tecnologias de tradução corporificadas?
- Quais são os limites da criatividade e da subjetividade considerando os modelos teóricos e pressupostos atuais da TAV e da acessibilidade midiática? Qual é o papel dos agentes envolvidos na manutenção das convenções e dos critérios de qualidade padronizados na TAV e na acessibilidade midiática?
- Quais métodos de pesquisa e estratégias analíticas são relevantes ao explorar a materialidade na TAV e na acessibilidade midiática?
Encorajamos autores e autoras a considerarem essas perguntas como um quadro geral para suas pesquisas, ao mesmo tempo em que acolhemos perspectivas diversas que ampliem essas áreas de interesse.
Temas e tópicos
Considerando as perguntas-chave acima, serão bem-vindos estudos teóricos e empíricos que explorem os seguintes temas e tópicos relacionados à TAV e à acessibilidade midiática:
- Subjetividades e realidades vivenciadas por tradutores e tradutoras audiovisuais
- Audiência, fandom, agência dos usuários, e estudos de recepção
- Afetos, emoções e experiências corporificadas
- Perspectivas críticas sobre processos, fluxos de trabalho e padrões de qualidade
- Tecnologias digitais, profissão, trabalho sustentável e corpos
- A materialidade dos recursos semióticos (voz, texturas, movimento, ambientes 3D)
- Recursos semióticos além da linguagem: criatividade e subjetividade
- Perspectivas críticas sobre ergonomia da tradução: ambientes de trabalho, materiais, ferramentas e tecnologias
- Pluralidade de perspectivas: transfeminismos, LGBTQIAP+, estudos queer, estudos crip
- Métodos de pesquisa e modelos analíticos
- Abordagens teóricas interdisciplinares
- O papel das partes interessadas e suas decisões subjetivas no conteúdo audiovisual traduzido
- Formação de tradutores audiovisuais e o papel didático/pedagógico da TAV e acessibilidade midiática
- O papel da subjetividade e da objetividade na audiodescrição, legendagem para surdos e ensurdecidos, audiolegendagem, janela de língua de sinais e criação de informações audiovisuais de fácil compreensão.
Diretrizes de submissão
Para propor um trabalho para o número especial, envie primeiro um resumo para os editores convidados: willianmoura.tradutor@gmail.com e ivan.villanueva@upc.pe. Aceitaremos propostas em inglês, espanhol e português.
As propostas deverão incluir:
- Título provisório
- Nome dos autores, afiliações, e-mail e Orcid
- Resumo (entre 250-500 palavras, excluindo-se as referências) contendo informações sobre o tema da pesquisa, referencial teórico e metodologia, além da justificativa e relevância da pesquisa para o campo da TAV e acessibilidade midiática
- Cinco palavras-chave
- Lista de referências preliminares (seguindo as normas APA 7ª edição)
Após a aprovação, os autores deverão fornecer a versão completa do trabalho seguindo o template da revista.
- Artigos deverão ter até 10.000 palavras, excluindo-se as referências.
- Os trabalhos poderão ser recusados caso não sigam o template da revista.
Considerando os pareceres dos avaliadores, os editores convidados também poderão sugerir correções e melhorias nos trabalhos aceitos antes de sua publicação.
Cronograma
Os resumos devem ser enviados até 15 de julho de 2024.
Os autores serão notificados do aceite do resumo até 01 de agosto de 2024.
Os trabalhos completos devem ser submetidos até 15 de janeiro de 2025.
Os pareceres do trabalho serão enviados aos autores até 30 de março de 2025.
Submissão da versão final do trabalho até 30 de abril de 2025.
Publicação do número especial: junho de 2025.
Informações de contato
Para mais informações sobre o número especial, por favor entre em contato com os editores convidados pelos e-mails: willianmoura.tradutor@gmail.com e ivan.villanueva@upc.pe.
Referências
Angelelli, C. V., & Baer, B. J. (2015). Exploring translation and interpreting. In C. Angelelli & B. Baer (Eds.), Researching Translation and Interpreting (pp. 5–13). Routledge.
Ahmed, Sara. (2014). The cultural politics of emotion (2ª ed). Edinburgh University Press.
Butler, J. (2005). Giving an Account of Oneself. Fordham University Press.
Iturregui-Gallardo, G., & Soler-Vilageliu, O. (2021). Audio subtitling and subtitling: a comparison of their emotional effect on blind / partially sighted and sighted users. Onomázein, (Número especial 8), 61–82. https://doi.org/10.7764/onomazein.ne8.07
Koskinen, K. (2020). Translation and Affect: Essays on sticky affects and translational affective labour. John Benjamins Publishing Company.
Lima, É., Pimentel, J., & Pisetta, L. (2023). Tradução, afetos e políticas do corpo: por uma transformação de pensamentos e ações. Trabalhos em Linguística Aplicada, 62(2), 179–181. https://doi.org/10.1590/01031813v62220238674463
Massumi, B. (2002). Movement, Affect, Sensation. Duke University Press. https://doi.org/10.1215/9780822383574
Ramos Caro, M., Espín López, L., & Rojo López, A. M. (2021). The psychophysiological impact of audio described porn. Onomázein, (Número especial 8), 104–127. https://doi.org/10.7764/onomazein.ne8.06
Robinson, D. (2015). The somatics of tone and the tone of somatics. Translation and Interpreting Studies, 10(2), 299–319. https://doi.org/10.1075/tis.10.2.09rob