Uma antropologia do “fluxo”: reflexões sobre dependência no contexto do crack

Autores

  • Ygor Diego Delgado Alves Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP
  • Pedro Paulo Gomes Pereira Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP

DOI:

https://doi.org/10.5007/1807-1384.2019v16n1p121

Resumo

O conceito biomédico de dependência não consegue dar conta da atração exercida pelas cenas de uso de crack que vai muito além da necessidade de se consumir uma droga para aliviar a fissura. Uma antropologia do “fluxo”, como são chamados os movimentos e percursos em torno do consumo do crack, permitiu refletir sobre o porquê da existência de cracolândias e questionar certas dimensões da chamada dependência química. Prazer e sofrimento passam a ser considerados em sua dimensão social: a satisfação proporcionada em desfrutar da companhia de outros usuários e o constrangimento provocado pelo estigma em torno da droga. A conexão com os parças e a relações estabelecidas nas ruas possibilitam a fruição dos efeitos desejados da substância e ensinam modos de viver e perceber a cidade.

Biografia do Autor

Ygor Diego Delgado Alves, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP

Doutor em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Pós-doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Pedro Paulo Gomes Pereira, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP

Livre Docente pela Universidade Federal de São Paulo. Pós-Doutorado na Univeridade de Barcelona, Barcelona, Espanha. Professor Associado da Universidade Federal de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Publicado

01.02.2019

Edição

Seção

Artigos - Condição Humana e Saúde na Modernidade