As mulheres como objeto das práticas jurídicas: uma análise do Projeto de Lei 478/2007

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DOI:

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n370569

Resumo

Quando a vida é incluída nas operações de poder o corpo feminino passa a ser posicionado como objeto de disciplinarização e controle, de modo que a questão do aborto condensa em si relações complexas de poder. Tendo em vista a relação problemática entre a regulamentação da prática e sua incidência no Brasil, nosso objetivo é identificar as noções de direitos das mulheres presentes no Projeto de Lei 478/2007, considerando as mudanças propostas por seu substitutivo. Por meio da análise discursiva, identificamos três modos de entender e performar os direitos femininos: as mulheres são posicionadas como objeto de práticas jurídicas; não são compreendidas como sujeitos de direito; e, por fim, têm seu próprio direito à vida colocado em questão. Nesse contexto, fica evidente que a proposição prioriza os direitos do embrião/feto ancorando-se em uma noção específica de natureza humana.

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Biografia do Autor

Priscila Kiselar Mortelaro, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Possui graduação em Obstetrícia pela Universidade de São Paulo (2015), com período sanduíche no curso de Ciências Biológicas da University of Ulster, e mestrado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017). Atualmente, é doutoranda em Psicologia Social. Faz parte do Núcleo de Estudos sobre Práticas Discursivas no Cotidiano: direitos, riscos e saúde (NUPRAD) do programa de Psicologia Social da PUC/SP.

Mary Jane Paris Spink, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) no Programa de Psicologia Social da PUCSP; coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1969) e doutorado em Psicologia Social na University of London (1982). Realizou estágio Pós-doutoral em Ciências Humanas na University of Cambridge, Inglaterra (1998).

Jacqueline Isaac Machado Brigagão, Universidade de São Paulo

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (1988), mestrado em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994) e doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (1998). É professora do curso de Obstetrícia da Universidade de São Paulo (EACH). Orientadora de mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Pará e em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

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Publicado

2021-12-10

Como Citar

Kiselar Mortelaro, P., Spink, M. J. P., & Brigagão, J. I. M. (2021). As mulheres como objeto das práticas jurídicas: uma análise do Projeto de Lei 478/2007. Revista Estudos Feministas, 29(3). https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n370569

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Artigos