Biblioteconomia Indígena: tramas encantadas pela Terra Viva
DOI:
https://doi.org/10.5007/1518-2924.2023.e92861Palavras-chave:
Biblioteconomia Indígena, Pensamento indígena, Conhecimento Vivo, Encantamento do mundo, Organização do Conhecimento IndígenaResumo
Objetivo: (Re)situar a Biblioteconomia e as bibliotecas para além das fronteiras desencantadas do Ocidente e das suas “unidades de conteúdo”, a partir de duas proposições de origem indígena: i) o conhecimento vivo do mundo é o plano epistêmico de orientação da Biblioteconomia indígena (Indigenous Librarianship) e, ii) a terra é a biblioteca dos povos indígenas.
Método: o equívoco controlado é o método do texto. Ele está articulado com a agenda metodológica indígena de pesquisa e os pressupostos do perspectivismo ameríndio e do multinaturalismo indígena, elos configuradores do cogito canibal e da autodeterminação dos povos originários.
Resultado: A gramática transformacional dos povos indígenas, encantada pela terra, desconcerta e altera os planos de configuração da teoria clássica da Biblioteconomia e do imaginário objetivista e desencantado dos saberes ocidentais. O conhecimento vivo e ancestral da terra, corpos e línguas se apresenta como um feixe contemporâneo capaz de reencantar o mundo biblioteconômico através de um resgate historiográfico de longa duração das práticas “bibliotecárias” dos povos indígenas.
Conclusões: A vida é o néctar do pensamento indígena. Instalar-se no espaço do equívoco entre os nativos e nós, e encaracolar-se, é a tarefa tradutora e conclusiva deste texto. Traduzir não para silenciar o outro ao presumir uma univocidade originária e uma redundância última entre o que ele e nós estamos dizendo, mas, ao avesso, trata-se de fazer morada no pensamento indígena biblioteconômico para que ele enquanto língua originária deforme, descolonize, subverta e transforme os destinos e as geografias conceituais da nossa língua bibliotecária, documentária, informacional e além.
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