v. 28 n. Dossie Especial (2023): (In)Justiça epistêmica em Biblioteconomia e Ciência da Informação
Fernando Broncano propõe uma abordagem da epistemologia que a concebe como política no quadro de um contexto democrático radical, indicando como ponto de partida que hoje todo o exercício ligado à produção de conhecimento que vemos e medimos como capital, e enquanto disputamos o conceito de conhecimento implica em disputar a própria vida. Especificamente em Biblioteconomia e Ciência da Informação, Bibliotecas desde Abya-Yala tem sido uma proposta de pesquisa-ação que tem buscado distanciar-se de forma contundente e decisiva dos lugares de enunciação hegemônicos, brancos, capitalistas e patriarcais, colocando em tensão a forma como tem sido produzidas essas ciências, para quê e para quem, e sobretudo que tipo de conhecimento a biblioteconomia e a ciência da informação têm o privilégio de preservar, difundir e priorizar no mundo da vida.
Com uma década de trabalho, em torno de uma perspectiva anticolonial e latino-americana, tem sido visível não apenas a existência de lacunas informacionais e culturais, mas lacunas fundamentalmente epistêmicas baseadas em processos de injustiças epistêmicas que têm mantido a produção de conhecimento em torno de parâmetros científicos baseados exclusivamente na razão e no método. Além destas, surgem epistemologias de resistência, que, como diz Broncano, "se dedicam ao estudo de como o poder e a dominação podem danificar estruturalmente as posições epistêmicas de grandes grupos e coletivos sociais (...) a injustiça epistêmica e as formas de resistências a ela, mostram como a distorção produzida pela posição social de dominação em posições epistêmicas é uma base fundamental da opressão, exclusão, exploração e em geral das várias formas de injustiça” (BRONCANO, 2020, p. 21).
Este Dossiê visa apresentar como a injustiça epistêmica na biblioteconomia e na ciência da informação é uma constante nos diversos cenários de ação da mesma, não só de fundação, mas também de ação. E como ao mesmo tempo existem hoje propostas de fundamentação e ação, de resistência que buscam a justiça epistêmica que privilegie a possibilidade do conhecimento como bem comum.
Em particular, se espera poder abordar através de diversos temas os tipos de injustiças epistêmicas propostos por Miranda Fricker e refletidos por Beth Patin, Iris Marion Young, David Miller, cujos estudos fomentam o desenvolvimento de reflexões e contranarrativas que confrontam entendimentos da epistemologia clássica.
Dentre as injustiças existentes, podemos citar quatro delas:
- Injustiça testemunhal, ocorre quando o outro é questionado na sua capacidade de conhecer. Ocorre quando o preconceito leva um ouvinte a diminuir a credibilidade de um emissor, não em um instante de exclusão acidental, mas de forma estrutural-sistemática;
- Injustiça hermenêutica refere-se ao vácuo interpretativo dos sujeitos que os impede de interpretar suas experiências porque não têm as ferramentas para fazê-lo. Corresponde a uma fase anterior em que a falta de recursos de interpretação coletiva dificulta ao sujeito a compreensão de suas próprias experiências;
- Injustiça curricular, que se refere à ausência de recursos físicos para favorecer o desenvolvimento epistêmico dos sujeitos de forma digna e equânime;
- Injustiça participativa, que ocorre quando os sujeitos são excluídos dos processos participativos de construção de seu desenvolvimento epistemológico.
Os tópicos desenvolvidos no Dossiê são:
- Epistemologias de resistência para/em biblioteconomia e ciência da informação;
- Conhecimento e democracia para/em biblioteconomia e ciência da informação;
- Danos e (in)justiças epistêmicas para/em biblioteconomia e ciência da informação;
- Conhecimento situado em biblioteconomia e ciência da informação;
- Epistemologias do Sul para/em biblioteconomia e ciência da informação;
- Populações historicamente subalternizadas na/pela biblioteconomia e ciência da informação;
- Justiça social e suas esferas: justiça racial, justiça de gênero, justiça ecológica e justiça informacional;
- Macro e microagressões contra pessoas marginalizadas em Bibliotecas e Unidades de Informação;
- Táticas de re-existência e redefinição de povos marginalizados.
REFERÊNCIAS
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CASTRO-GÓMEZ, S.; GUARDIOLA-RIVERA, Ó. El Plan Colombia, o de cómo una historia local se convierte en diseño global. Nueva Sociedad, v. 175, p. 111-120, sept./oct. 2001.
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