A Constituição brasileira em crise (2015-2022): perda de substância normativa e eficácia seletiva

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5007/2177-7055.2025.e108224

Palavras-chave:

Crise constitucional, Democracia, Mudança social, Neoliberalismo

Resumo

O artigo oferece uma leitura constitucional da crise institucional e econômica que se iniciou no Brasil em 2015. Analisamos as reformas constitucionais e legislativas ocorridas nos governos Temer e Bolsonaro e as formas de aplicação da Constituição. Sustentamos que houve mudança política que causou a perda de substância normativa da Constituição transformadora de 1988 e agravou sua eficácia seletiva, sob uma política neoliberal. Os críticos que anunciam a “morte” do projeto constitucional transformador de 1988 captam a prática revisionista neoliberal dos últimos anos, embora sua afirmação não deva ser considerada em termos absolutos. O que de fato ocorreu não foi o abandono do projeto constitucional, mas a ineficácia seletiva das normas e programas constitucionais, que afetou principalmente os direitos sociais e restringiu as políticas de redistribuição, ignorando as promessas constitucionais de transformação social. O liberalismo, com sua expressão institucional na separação de poderes, foi mantido, mas a essência progressista da parte transformadora da Constituição foi esvaziada.

Biografia do Autor

Dimitri Dimoulis, Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

Bacharel em Direito pela Universidade Nacional de Atenas (1988). Mestrado pela Univ. Paris-I (Panthéon-Sorbonne) (1989). Doutorado em Direito pela Universidade do Sarre (1994). Professor titular da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas desde 2007 (cursos de graduação, mestrado e doutorado).

Soraya Gasparetto Lunardi, Universidade Estadual Paulista (Unesp)

Professora Livre Docente em Direito Constitucional, Direitos Fundamentais da UNESP. Coordena o Projeto: As inconstitucionalidades e o custo econômico do desmonte do licenciamento ambiental no Brasil. Professora Pesquisadora com Bolsa Produtividade - CNPQ. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Pós-doutorado pela Universidade Politécnica de Atenas (2007). Avaliadora da CAPES, do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), FAPESP (Fundo de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo). Professora convidada na pós graduação da Universitat Autònoma Barcelona. Autora de mais de 100 estudos publicados em diversos países como: Estados Unidos, Itália, Grécia, Colômbia, Turquia, Portugal e Brasil. Tem experiência nas áreas de: Direitos Fundamentais Sociais, Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional, Direito Administrativo e Políticas Públicas. Participa de Rede internacional de Pesquisa Minority Groups Research Centre (KEMO). Nomeada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, membro da comissão de juristas, presidida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, para criar anteprojeto de lei para sistematizar o processo constitucional - Código de Processo Constitucional. Diretora da Associação Brasileira de Processo Constitucional. (Fonte: Currículo Lattes)

Referências

ABRANCHES, Sérgio. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 5-33, 1988.

ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão. Raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

ADAMS, Maurice et al. (eds.). The Constitutionalization of European Budgetary Constraints. London: Hart, 2014.

ALENCAR, Hermes Arrais. Reforma da Previdência. Emenda constitucional n. 103/2019 e o regime geral de previdência social. São Paulo: Saraiva, 2020.

ALVARENGA, Darlan. Programa de privatizações empaca e maioria dos leilões previstos para 2020 vira promessa para 2021. G1 notícias, 17-12-2020.

ANDRADE, Leandro Teodoro. Manual de direito urbanístico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

ARGUELHES, Diego; RECONDO, Felipe. Fux e Fux: os dois Brasis de um juiz. Jota, 10-4-2020 (jota.info/stf/supra/fux-e-fux-os-dois-brasis-de-um-juiz-10042020).

ARGUELHES, Diego; SÜSSEKIND, Evandro. Constitucionalismo Transformador: Entre Casas de Máquinas e Engenharia Social Judicial. Direito e Práxis, v. 13, n. 4, p. 2557-2594, 2022.

BARBOSA, Marina; HESSEL, Rosana. Governo prevê nove privatizações em 2021. Correio Braziliense, 3-12-2020.

BARROSO, Luís Roberto. Empurrando a história: combate à corrupção, mudança de paradigmas e refundação do Brasil. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/299321/ministro-barroso-disserta-sobre-combate-a-corrupcao-e-refundacao-do-brasil.

BELLO, Enzo et al. O fim das ilusões constitucionais de 1988? Direito e Práxis, v. 10, n. 3, p. 1769-1811, 2019.

BERCOVICI, Gilberto. A atuação do Estado Brasileiro no domínio econômico. In: CARDOSO Jr., Celso; BERCOVICI, Gilberto (eds.). República, democracia e desenvolvimento. Contribuições ao Estado Brasileiro contemporâneo. Brasília: IPEA, 2013, p. 617-646.

BERCOVICI, Gilberto. A economia política da inversão da Constituição. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (ed.). As formas do direito: ordem, razão e decisão. Curitiba: Juruá, 2013-a, p. 429-453.

BERCOVICI, Gilberto. O papel recente do Estado no capitalismo brasileiro. Educação Brasileira, v. 37, 2015, p. 123-144.

BERCOVICI, Gilberto. O Estado de Exceção: da garantia da Constituição à garantia do capitalismo. In: PILATTI, Adriano et al. (eds.). O Estado de exceção e as formas jurídicas. Ponta Grossa: UEPG, 2017, p. 153-164.

BERCOVICI, Gilberto. Parecer sobre a inconstitucionalidade da Medida Provisória da liberdade econômica (Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019). Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, v. 15, 2019, p. 173-202.

BERCOVICI, Gilberto. A soberania econômica e o desmonte do Estado no Brasil. In: CARDOSO, José Celso Jr. (ed.). Desmonte do Estado e subdesenvolvimento. Riscos e desafios para as organizações e as políticas públicas federais. Brasília: Afipea, 2019-a, p. 254-264.

BERCOVICI, Gilberto. As inconstitucionalidades da “Lei da Liberdade Econômica” (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019). In: SALOMÃO, Luiz Felipe et al. (eds.). Lei de liberdade econômica e seus impactos no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2020, p. 123-152.

BERCOVICI, Gilberto; MASSONETTO, Luis Fernando. A Constituição dirigente invertida: a blindagem da Constituição financeira e a agonia da Constituição econômica. Revista de Direito Público, v. 45, p. 79-89, 2004.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (ed.). Doença holandesa e indústria, Rio de Janeiro: FGV, 2010.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos et al. A reconstrução da indústria brasileira. A conexão entre o regime macroeconômico e a política industrial. Revista de Economia Política, v. 36, n. 3, p. 493-513, 2016.

BROWN, Wendy. Undoing the Demos. Neoliberalism’s Stealth Revolution. New York: Zone Books, 2015.

CONTIADES, Xenophon (ed.). Constitutions in the Global Financial Crisis. A Comparative Analysis. Syrrey: Ashgate, 2013.

DRAIBE, Sonia Miriam. Rumos e metamorfoses. Estado e industrialização no Brasil: 1930-1980. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

DRIESEN, David. The Unitary Executive Theory in Comparative Context. Hastings Law Journal, v. 72, 2020.

FRANCISCO, José Carlos. Emendas constitucionais e limites flexíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

FUX, Luiz. A lição de Santo Agostinho. Folha de São Paulo, 10-4-2020.

GARCÍA, Helena Alviar; FRANKENBERG, Gunther (eds.). Authoritarian Constitutionalism: Comparative Analyses and Critique. Cheltenham: Elgar, 2019.

GLASS Verena; SANTOS Maureen. Atlas do agronegócio. Fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2018.

IAPE (Instituto dos Advogados Previdenciários). Parecer técnico. http://iprevita.com.br/iprevita/wp-content/uploads/2016/12/CARTA-AOS-DEPUTADOS-Parecer-Técnico.pdf, 2016.

LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos Estudos, São Paulo, n. 76, p. 17-41, 2006.

LUNARDI, Soraya; DIMOULIS, Dimitri. Transformações do Estado e da Constituição Brasileira na conjuntura da ‘Crise Econômica’. In: BOLONHA, Carlos et al. (eds.). 30 anos da Constituição de 1988. Uma Jornada Democrática Inacabada. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 207-222.

MAFEI, Rafael. Como remover um Presidente. Teoria, história e prática do impeachment no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

MAGALHÃES, Andréa. Jurisprudência da crise: uma perspectiva pragmática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

MALHEIROS, Franco; MARTINS, Cristiano. Governo Bolsonaro reduziu em 44 mil o número de servidores. O Tempo, 21-6-2021.

MEDEIROS, Marcelo et al. O topo da distribuição de renda no Brasil. Primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.

MELO, Marcus André. Mudança constitucional no Brasil, dos debates sobre regras de emendamento na constituinte à “megapolítica”. Novos Estudos CEBRAP, n. 97, p. 187-206, 2013.

MENDES, Gilmar. Jurisprudência de crise e pensamento do possível. Caminhos constitucionais. Conjur, 11-4-2020.

MEYER, Emilio Peluso Neder. Constitutional Erosion in Brazil. Oxford: Hart, 2021.

MORGAN, Marc. Extreme and Persistent Inequality: New Evidence for Brazil Combining National Accounts, Surveys and Fiscal Data, 2001-2015, 2017. ecineq.org/ecineq_nyc17/FILESx2017/CR2/p456.pdf.

MOURA, Paulo Gabriel Martins. Bolsa Família: projeto social ou marketing político? Katálysis, v. 10 n. 1, p. 115-122, 2007.

PAIVA, Andrea Barreto et al. O Novo Regime Fiscal e suas implicações para a política de assistência social no Brasil. 2016.

PEDRA, Adriano Sant’Ana. A Constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas na democracia participativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

PEIXOTO, Vitor de Morais. Eleições e financiamento de campanhas no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2016.

PILATTI Adriano et al. (eds.). O Estado de exceção e as formas jurídicas. Ponta Grossa: UEPG, 2017.

POSNER, Eric. The Executive Unbound, Pandemic Edition. 23-3-2020.

POSNER, Eric; VERMEULE, Adrian. The Executive Unbound. After the Madisonian Republic. Oxford: Oxford University Press, 2011.

ROUBICEK, Marcelo. Quais empresas o governo federal quer privatizar em 2020. Nexo, 8-1-2020.

RUBIN, Fernando. O superávit da previdência: a macroestrutura constitucional das suas fontes de custeio e a verdadeira lógica de utilização da DRU. Síntese: Direito Previdenciário, n. 75, p. 99-109, 2016.

RUDALEVIGE, Andrew. The New Imperial Presidency. Renewing Presidential Power after Watergate. Ann Arbor: Michigan University Press, 2005.

RUGGERI, Antonio. Stato costituzionale e Stato d’eccezione, nella più recente esperienza italiana: dall’alternativa alla mutua integrazione? Consulta online, 2015. iurcost.org/studi/ruggeri40.pdf.

SAAD-FILHO, Alfredo. A era das crises: neoliberalismo, o colapso da democracia e a pandemia. São Paulo: Contracorrente, 2023.

SAAD-FILHO Alfredo; MORAIS, Lucio. Brasil: neoliberalismo versus democracia. São Paulo: Boitempo, 2018.

SAJÓ, András; UITZ, Renata; HOLMES, Stephen (eds.). Routledge Handbook of Illiberalism. London: Routledge, 2021.

SILVA, Fabio de Sá e. From Car Wash to Bolsonaro: Law and Lawyers in Brazil's Illiberal Turn (2014–2018). Journal of Law and Society, v. 47, p. 90-110, 2020.

SKOWRONCK, Stephen. The Conservative Insurgency and Presidential Power. A Developmental Perspective on the Unitary Executive. Harvard Law Review, v. 122, p. 2070-2103, 2009.

SOUZA Neto, Cláudio Pereira. Democracia em crise no Brasil. São Paulo: Contracorrente, 2020.

SOUZA, Celina. Regras e contexto: as reformas da Constituição de 1988. Dados, v. 51, n. 4, p. 791-823, 2008.

SOUZA, Pedro Ferreira de. Uma história de desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil 1926-2013. São Paulo: Hucitec, 2018.

TAVARES, André Ramos. Direito econômico diretivo: percurso das propostas transformativas. Unpublished Thesis. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014.

TRONTI, Mario. Il demone della politica. Antologia di scritti 1958-2015. Bologna: Il Mulino, 2017.

VERMEULE, Adrian. Law’s Abnegation. From Law’s Empire to the Administrative State. New York: Harvard University Press, 2016.

VICTOR, Sérgio Antonio Ferreira. Presidencialismo de coalizão: exame atual do sistema de governo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015.

VIEIRA Junior, Ronaldo Jorge Araujo. As inconstitucionalidades do Novo Regime Fiscal instituído pela PEC nº 55, de 2016. 2016.

VIEIRA, Fabiola; BENEVIDES, Rodrigo Pucci de Sá e. Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do SUS e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. 2016.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Do compromisso maximizador ao constitucionalismo resiliente. In: VIEIRA, Oscar Vilhena et al. Resiliência constitucional. São Paulo: FGV Direito SP, 2013.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Clash of Powers: Did Operation Car Wash trigger a constitutional crisis in Brazil? University of Toronto Law Journal, v. 71, n. 5, p. 174-209, 2021.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Battle of Powersr. Brazil: From Democratic Transition to Constitutional Resilience. Washington, D.C.: Wilson Center, 2024.

VIEIRA, Oscar Vilhena et al. Resiliência constitucional. São Paulo: FGV Direito SP, 2013.

VIEIRA, Oscar Vilhena et al. (eds.). Transformative Constitutionalism: Comparing the Apex Courts of Brazil, India and South Africa. Pretoria: Pretoria University Law Press, 2014.

VIEIRA, Oscar Vilhena; GLEZER, Rubens. Populismo autocrático e resiliência constitucional. Interesse Nacional, n. 47, p. 66-76, 2019.

VIEIRA, Oscar Vilhena; GLEZER, Rubens Eduardo; BARBOSA, Ana Laura Pereira. Entre a estabilidade precária e a crise institucional: uma análise da performance do governo Bolsonaro. In: LUNARDI, Soraya et al. (eds.). Desafios à estabilidade constitucional. Reflexões sobre a estrutura e direitos constitucionais. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2020, p. 25-44.

Downloads

Publicado

2025-09-16

Como Citar

DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya Gasparetto. A Constituição brasileira em crise (2015-2022): perda de substância normativa e eficácia seletiva . Seqüência Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 46, n. 101, p. 1–32, 2025. DOI: 10.5007/2177-7055.2025.e108224. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/108224. Acesso em: 5 dez. 2025.