A construção do campo do autismo: história e atualidade de um diagnóstico

Resumo

O autismo configura um campo que, desde sua origem, sofreu e produziu rápidas recomposições. Sua história não tem sido produzida de forma linear e se perfaz em um movimento constante de ondas científicas que combinam diferentes propostas de trabalho e de terapêuticas. A capacidade dessa categoria diagnóstica de transpor fronteiras e de transitar entre domínios do conhecimento favorece sua circulação. Além disso, o aumento das taxas de prevalência do diagnóstico, a mobilização de associações de pais e mães e dos próprios autistas transformaram o assunto em preocupação de saúde pública. Como foi que tantas crianças passaram a ser adjetivadas pelo autismo em tão pouco tempo? O diagnóstico de autismo tornou-se uma pauta política. Revisitamos a história do autismo com o objetivo de movimentar a naturalização de sua narrativa canônica. Na contramão de uma a-historicidade do conceito, procuramos demonstrar que a categoria diagnóstica de autismo não foi uma descoberta: as narrativas de Kanner e de Asperger possuem um antes e um depois. Um antes, que situa o gesto de Kanner de nomear o quadro “autismo infantil” no registro de uma construção; e um depois, que alça o diagnóstico de autismo ao estatuto de epidemia e paradigma dos transtornos do desenvolvimento, tornando-o uma espécie de curva da anormalidade em relação à qual o desenvolvimento das crianças é localizado. No resgate desse percurso histórico, elegemos elementos que fundamentam a transformação do autismo de um diagnóstico construído na psiquiatria infantil como relativamente raro em uma questão de saúde pública.