Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista

Autores/as

  • Katemari Rosa Universidade Federal da Bahia https://orcid.org/0000-0002-0539-4104
  • Alan Alves-Brito Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • Bárbara Carine Soares Pinheiro Universidade Federal da Bahia

DOI:

https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1440

Resumen

Este ensaio busca trazer reflexões sobre a construção do sistema de verdades no qual se fundamenta a Ciência Moderna e Contemporânea e, mais especificamente, como o ensino de ciências, que sempre foi pautado numa lógica científica branca que nega o conhecimento produzido por corpos negros, posiciona-se nessa discussão negacionista do “outro”. Argumentamos que, no que concerne à própria estruturação da argumentação científica e de seu status quo, a Ciência Hegemônica — eurocêntrica e branca — é, por si só, um estado de pós-verdade para pessoas negras e suas epistemologias. As atuais preocupações da comunidade branca de ensino e divulgação de ciências, em relação ao negacionismo científico e à construção de narrativas que negam as produções da ciência branca, desconsideram que esse sempre foi o comportamento que tiveram com as epistemologias negras e os conhecimentos "estrangeiros". Ao longo do texto, trazemos exemplos de conhecimentos que são tidos como fatos objetivos e, no entanto, são fatos produzidos por uma comunidade racista e segue sendo reproduzida na educação em ciências, contribuindo com a perpetuação do racismo antinegro em nossa sociedade. 

   

Biografía del autor/a

Katemari Rosa, Universidade Federal da Bahia

Mulher negra, doutora em Educação Científica pela Columbia University. Pesquisa as intersecções entre raça, gênero, sexualidades e classe no campo das STEM. Professora no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia.     

Alan Alves-Brito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Homem negro, nordestino, doutor em ciências pela USP, com estágios de pós-doutorado no Chile e na Austrália (Super Science Fellow). Professor adjunto no Instituto de Física da UFRGS, exerce atividades de ensino, pesquisa, extensão, divulgação em ciências e gestão. Autor de 2 livros de educação/divulgação em ciências.

Bárbara Carine Soares Pinheiro, Universidade Federal da Bahia

Mulher negra cis, mãe e nordestina. Professora adjunta no Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia. Idealizadora da escola Afro-brasileira Maria Felipa.

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Publicado

2020-12-16

Cómo citar

Rosa, K., Alves-Brito, A., & Pinheiro, B. C. S. . (2020). Pós-verdade para quem? Fatos produzidos por uma ciência racista. Caderno Brasileiro De Ensino De Física, 37(3), 1440–1468. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2020v37n3p1440

Número

Sección

Artigos