A “injusta provocação da vítima” e o feminicídio privilegiado

Autores

DOI:

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2025v33n196735

Palavras-chave:

feminicídio, homicídio privilegiado, injusta provocação da vítima, violenta emoção, crimes passionais

Resumo

No âmbito das investigações sobre as práticas do sistema de justiça criminal relativas às mortes violentas de mulheres, o presente texto concentra-se na análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais quanto à (in)compatibilidade da qualificadora do feminicídio com a forma privilegiada da “violenta emoção”, que constitui causa legal de diminuição de pena do homicídio. Para exemplificar a “injusta provocação da vítima”, a quase unanimidade dos casos relatados se calca no descumprimento - ou na suposição de descumprimento - do dever de fidelidade da mulher. O ponto central que nos propusemos a enfrentar é, pois, o quanto o ideal de “feminilidade” da sociedade patriarcal monogâmica e o olhar condenatório da sexualidade feminina “desviante” seguiriam pavimentando o paradigma da apenação abrandada (ou exculpada) pela passionalidade, revitimizando e culpabilizando vítimas.

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Biografia do Autor

Cristiane Brandão Augusto, Universidade Federal do Rio de Janeiro

É Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH/UFRJ) da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutora em Saúde Coletiva (IMS-UERJ) e mestre em Ciências Jurídico-Criminais (Universidade de Coimbra, Portugal); coordenadora do Grupo PEVIGE (FND/UFRJ), do Observatório Latino-Americano de Justiça em Feminicídio e do Curso de Promotoras Legais Populares do RJ.

Júlia Machado Iglesias, UFRJ

É mestranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPDH/NEPP-DH/UFRJ) e graduada em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ).

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Publicado

2025-04-02

Como Citar

Augusto, C. B., & Iglesias, J. M. (2025). A “injusta provocação da vítima” e o feminicídio privilegiado. Revista Estudos Feministas, 33(1). https://doi.org/10.1590/1806-9584-2025v33n196735

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