A “injusta provocação da vítima” e o feminicídio privilegiado
DOI:
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2025v33n196735Palavras-chave:
feminicídio, homicídio privilegiado, injusta provocação da vítima, violenta emoção, crimes passionaisResumo
No âmbito das investigações sobre as práticas do sistema de justiça criminal relativas às mortes violentas de mulheres, o presente texto concentra-se na análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais quanto à (in)compatibilidade da qualificadora do feminicídio com a forma privilegiada da “violenta emoção”, que constitui causa legal de diminuição de pena do homicídio. Para exemplificar a “injusta provocação da vítima”, a quase unanimidade dos casos relatados se calca no descumprimento - ou na suposição de descumprimento - do dever de fidelidade da mulher. O ponto central que nos propusemos a enfrentar é, pois, o quanto o ideal de “feminilidade” da sociedade patriarcal monogâmica e o olhar condenatório da sexualidade feminina “desviante” seguiriam pavimentando o paradigma da apenação abrandada (ou exculpada) pela passionalidade, revitimizando e culpabilizando vítimas.
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