O TDAH como arranjo: entre a medicalização e a neurodiversidade
DOI:
https://doi.org/10.5007/2175-795X.2025.e100413Palavras-chave:
TDAH em adultos, Medicalização, NeurodiversidadeResumo
Este artigo propõe uma leitura afetiva das práticas atencionais de pessoas adultas diagnosticadas com TDAH para diversificar as narrativas disponíveis, para além da medicalização e de versões utilitaristas da neurodiversidade. Com base em shadowing (acompanhamento) de seis pessoas adultas com trajetórias heterogêneas —complementado por análise documental de inspiração genealógica— aborda-se a atenção como prática coletiva e pré-individual, observando agenciamentos situados de objetos, corpos, tempos e relações. O achado central é uma “inquietação atencional” interior e anterior que reordena biografias adultas: eventos liminares e o descompasso temporal do diagnóstico ativam a busca de “arranjos” para habitar uma diferença sentida como própria. Esses arranjos se configuram em quatro dimensões interligadas: (i) materialidades e técnicas de exteriorização da atenção; (ii) usos estratégicos de fármacos e substâncias; (iii) modalidades de “suspensão” atencional mediadas digitalmente; e (iv) gestão de movimentos e energias. Propõe-se, assim, compreender o TDAH como um arranjo para o que é vivido como “sem arranjo”: não apenas um déficit a corrigir, mas um modo legítimo de expressão cuja estabilização requer um “gasto” —econômico, temporal, afetivo e relacional— frequentemente invisibilizado. Esse gasto é atravessado por vetores de diferenciação (classe, gênero) e condiciona quem pode afirmar sua diferença como valiosa. Conclui-se convidando a deslocar o foco da correção individual para condições institucionais que democratizem tal gasto e ampliem a justiça social para a convivência entre diversas modalidades atencionais.
Referências
BATAILLE, Georges. La part maudite. Paris: Les Éd. de Minuit, 2014.
BERTILSDOTTER ROSQVIST, Hanna et al. Naming ourselves, becoming neurodivergent scholars. Disability & Society, p. 1–20, 23 out. 2023.
BOTHA, Monique et al. The neurodiversity concept was developed collectively: An overdue correction on the origins of neurodiversity theory. Autism, v. 28, n. 6, p. 1591–1594, jun. 2024.
BROWN, Andrew I.; BERTILSDOTTER ROSQVIST, Hanna; JACKSON-PERRY, David. An Introduction to Critical ADHD Studies. In: The Palgrave Handbook of Research Methods and Ethics in Neurodiversity Studies. Cham: Springer Nature Switzerland, 2024.
CALIMAN, Luciana. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 64, n. 1, p. 2–17, 2012.
CHAPMAN, Robert. Neurodiversity Theory and Its Discontents: Autism, Schizophrenia, and the Social Model of Disability. In: The Bloomsbury Companion to Philosophy of Psychiatry. UK: Bloomsbury Academic, 2019. p. 371–390.
CHAPMAN, Robert. Empire of normality: neurodiversity and capitalism. London: Pluto Press, 2023.
CITTON, Yves. Automatic Endo-Attention, Creative ExoAttention: the Egocidal and Ecocidal Logic of Neoliberal Capitalism. New Formations, v. 98, n. 98, p. 101–118, 2019.
CITTON, Yves. Pour une écologie de l’attention. Paris: Points, 2021.
CONRAD, Peter. Identifying hyperactive children. The Medicalization of Deviant Behavior. [S.l.]: Taylor & Francis, 1976.
CONRAD, Peter. The Shifting Engines of Medicalization. Journal of Health and Social Behavior, v. 46, n. 1, p. 3–14, mar. 2005.
CONRAD, Peter; BERGEY, Meredith R. The impending globalization of ADHD: Notes on the expansion and growth of a medicalized disorder. Social Science & Medicine, v. 122, p. 31–43, dez. 2014.
CONRAD, Peter; POTTER, Deborah. From Hyperactive Children to ADHD Adults: Observations on the Expansion of Medical Categories. Social Problems, v. 47, n. 4, p. 559–582, nov. 2000.
COTTET, Pablo et al. Variations sociales et nationales autour du TDAH. Familles et écoles au Chili et en France. In: CALIMAN, Luciana; CITTON, Yves; PRADO, Martina (Orgs.). L’attention médicamentée. La Ritaline à l’école. Rennes, Francia: PUR, 2023.
DELEUZE, Gilles. En medio de Spinoza. 3ra. ed. Buenos Aires, Argentina: Cactus, 2008.
DELPHY, Christine. Pour une théorie générale de l’exploitation: des différentes formes d’extorsion de travail aujourd’hui. Paris Québec: Syllepse, 2015.
DEPRAZ, Natalie. Attention et vigilance: à la croisée de la phénoménologie et des sciences cognitives. 1re édition ed. Paris: Puf, 2014.
DOYLE, Nancy. Neurodiversity at work: a biopsychosocial model and the impact on working adults. British Medical Bulletin, v. 135, n. 1, p. 108–125, 14 out. 2020.
HACKING, Ian. Genetics, biosocial groups & the future of identity. Daedalus, v. 135, n. 4, p. 81–95, 2006.
HARTMANN, Thom. Attention deficit disorder: a different perception. Dublin: Newleaf, 1999.
JACKSON-PERRY, David; BERTILSDOTTER ROSQVIST, Hanna; BROWN, Andrew I. Moving forward: a call for Critical ADHD Studies. Disability & Society, p. 1–6, 5 fev. 2025.
JAQUET, Chantal. L’ unité du corps et de l’esprit: affects, actions et passions chez Spinoza. 1ère édition "Hors collection" ed. Paris: puf, 2015.
JENSEN, Vigdis Stokker. Performing Autism through a Layered Account. Departures in Critical Qualitative Research, v. 6, n. 1, p. 72–94, 1 mar. 2017.
LARA, Ali et al. Affect and subjectivity. Subjectivity, v. 10, n. 1, p. 30–43, abr. 2017.
NAVON, Daniel; EYAL, Gil. Looping Genomes: Diagnostic Change and the Genetic Makeup of the Autism Population. American Journal of Sociology, v. 121, n. 5, p. 1416–1471, mar. 2016.
NIELSEN, Mikka. Experiences and explanations of ADHD: an ethnography of adults living with a diagnosis. London: Routledge, 2021.
QUINLAN, Elizabeth. Conspicuous Invisibility: Shadowing as a Data Collection Strategy. Qualitative Inquiry, v. 14, n. 8, p. 1480–1499, dez. 2008.
REYES, Pablo et al. Rethinking medicalization: discursive positions of children and their caregivers on the diagnosis and treatment of ADHD in Chile. Saúde e Sociedade, v. 28, n. 1, p. 40–54, mar. 2019.
ROJAS, Sebastian; ROJAS, Patricio; PEÑA, Mónica. From problematic children to problematic diagnosis: The paradoxical trajcetories of child and adolescent ADHD in Chile. In: BERGEY, Meredith R.; CONRAD, Peter; SINGH, Ilina (Orgs.). Global perspectives on ADHD: social dimensions of diagnosis and treatment in sixteen countries. Baltimore, MD: The Johns Hopkins Press, 2018.
SINGH, Ilina. Not robots: children’s perspectives on authenticity, moral agency and stimulant drug treatments. Journal of Medical Ethics, v. 39, n. 6, p. 359–366, jun. 2013a.
SINGH, Ilina. Victimology versus character: new perspectives on the use of stimulant drugs in children. Journal of Medical Ethics, v. 39, n. 6, p. 372–373, jun. 2013b.
SIR, Hugo. La (des)obediencia por otros medios. Elementos para una sociohistoria del TDAH en adultos en Chile. In: PIZARRO, Eugenia et al. (Orgs.). Chile desbordado. Tensiones, resistencias y construcciones colectivas en el siglo xxi. Santiago de Chile: Astrolab.io, 2023.
SIR, Hugo. The hunter hypothesis. Scientific speculation and ancestral imaginaries of adult ADHD in Chile. Science, Technology, & Human Values, v. Accepted, 2025.
SIR, Hugo; CASTAÑEDA, Isis; RADISZCZ, Esteban. Exceso de atención: de la composición de un trastorno en la escuela chilena. Práxis Educacional, v. 15, n. 36, p. 108, 4 dez. 2019.
STENNING, Anna. Narrating the Many Autisms: Identity, Agency, Mattering. 1. ed. New York: Routledge, 2023.
STENNING, Anna; ROSQVIST, Hanna Bertilsdotter. Neurodiversity studies: mapping out possibilities of a new critical paradigm. Disability & Society, v. 36, n. 9, p. 1532–1537, 21 out. 2021.
SURMAN, Craig (ORG.). ADHD in adults: a practical guide to evaluation and management. New York: Humana Press, 2013.
TAVORY, Iddo; TIMMERMANS, Stefan. A Pragmatist Approach to Causality in Ethnography. American Journal of Sociology, v. 119, n. 3, p. 682–714, nov. 2013.
TROUILLE, David; TAVORY, Iddo. Shadowing: Warrants for Intersituational Variation in Ethnography. Sociological Methods & Research, v. 48, n. 3, p. 534–560, 2016.
YERGEAU, Melanie. Authoring autism: on rhetoric and neurological queerness. Durham London: Duke University Press, 2018.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Hugo Sir

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Esta revista proporciona acesso público a todo seu conteúdo, seguindo o princípio de que tornar gratuito o acesso a pesquisas gera um maior intercâmbio global de conhecimento. Tal acesso está associado a um crescimento da leitura e citação do trabalho de um autor. Para maiores informações sobre esta abordagem, visite Public Knowledge Project, projeto que desenvolveu este sistema para melhorar a qualidade acadêmica e pública da pesquisa, distribuindo o Open Journal Sistem (OJS) assim como outros software de apoio ao sistema de publicação de acesso público a fontes acadêmicas. Os nomes e endereços de e-mail neste site serão usados exclusivamente para os propósitos da revista, não estando disponíveis para outros fins.
A Perspectiva permite que os autores retenham os direitos autorais sem restrições bem como os direitos de publicação. Caso o texto venha a ser publicado posteriormente em outro veículo, solicita-se aos autores informar que o mesmo foi originalmente publicado como artigo na revista Perspectiva, bem como citar as referências bibliográficas completas dessa publicação.
