A doença e o amigo: uma análise da recusa e da negatividade na epidemia de aids em Hervé Guibert
DOI:
https://doi.org/10.5007/1807-1384.2025.e109415%20Palavras-chave:
aids, autoficção, teoria queer, teoria crip, negatividadeResumo
Este ensaio analisa a produção de subjetividades dissidentes no contexto da epidemia de HIV/aids, focando na recusa e na negatividade como potências políticas. O objetivo central é investigar como a autoficção "O amigo que não me salvou a vida", de Hervé Guibert, performa uma subjetividade que resiste às narrativas de redenção e superação. A abordagem metodológica adotada é a da cartografia, que recusa uma história linear para mapear os agenciamentos que constituem a experiência da aids. O referencial teórico articula a teoria crip, que critica a capacidade compulsória, com a vertente antissocial da teoria queer (Leo Bersani, Lee Edelman), mobilizando ainda conceitos como as tecnologias de si (Michel Foucault) e a política dos afetos retrógrados (Heather Love). Argumenta-se que Guibert converte a degenerescência do corpo em texto, utilizando a escrita como uma tecnologia de si para disputar o poder de narrar a própria finitude contra o dispositivo médico. Conclui-se que a obra performa uma subjetividade estilhaçada que abraça a vergonha e a traição, alinhando-se a uma política de "sentir-se para trás" (feeling backward), que insiste em habitar o dano como forma de engajamento ético com a memória do trauma.
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