Editorial

Autores

  • Paulo J. Krischke UFSC

Resumo

O terceiro número da Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis divulga, por meio dos artigos a seguir, uma Mesa Redonda sobre o Brasil Contemporâneo, exposição e debate de trabalhos universitários de canadenses e brasileiros, realizada no Congresso Canadense de Estudos Latino-Americanos e do Caribe (CALACS), na cidade de Guelph (Ontario, Canadá), em 30 de Outubro de 2004. A Mesa-Redonda foi presidida pelo Prof. W.E. (Ted) Hewitt (University of Western Ontario), e coordenada também pelo Prof. Edgar Dosman (York University), participando a Profª. Judith Hellman (York) como debatedora. A Mesa foi organizada e apresentada em homenagem a Betinho (Herbert de Souza, criador do IBASE no Brasil). A homenagem se justifica, porque Betinho esteve exilado no Canadá entre 1974 e 1978, tornando-se então amplamente reconhecido no meio acadêmico, pela sua capacidade de liderança, organização e iniciativa, em prol da justiça social, da inovação intelectual, e da solidariedade prática com os povos da América Latina. Tais atributos são hoje retomados, por vários acadêmicos brasileiros e canadenses, como necessários para reconstruir e ampliar o intercâmbio, a convergência e a reflexão em comum, entre o Brasil e o Canadá. Não faltam motivos para essa busca pelo mútuo reconhecimento e colaboração entre o Brasil e o Canadá. O Brasil é hoje ainda pouco conhecido e estudado no Canadá ¾ e o mesmo acontece no Brasil acerca do Canadá. Por exemplo, o que mais se vê divulgado pela mídia sobre as relações entre os dois países são incidentes ocasionais e conflitos pontuais de interesses. No passado recente, vimos as sucessivas reclamações dos dois governos à Organização Mundial do Comércio (OMC), denunciando reciprocamente os subsídios estatais às fábricas de aviões Embraer (Brasil) e Bombardier (Canadá), como violações às regras de livre formação e competição de preços no mercado internacional. Seja qual for o resultado prático dessas arbitragens de interesses, a opinião pública do Brasil e do Canadá apenas ganha uma informação muito parcial, acerca da existência de competição e contradições ocasionais, entre os dois países. No entanto, há características convergentes, e contribuições de longo prazo até complementares, do Brasil e do Canadá, que nunca alcançam o noticiário de ambos os países. Entre essas características, que desafiam o estudo comparativo e a cooperação bilateral, podemos apontar por exemplo, no plano interno: o multiculturalismo canadense e o pluralismo étnico brasileiro; a importância da sociedade civil e das mobilizações sociais na ampliação da esfera pública em ambos os países; a gradual integração dos grupos migratórios na sociedade nacional, e os direitos dos povos nativos à defesa do seu patrimônio cultural; a existência de amplos espaços despovoados, e os desafios que apresentam à preservação da natureza e à integração nacional. Sem dúvida, a vigência do parlamentarismo no Canadá, e do presidencialismo no Brasil, (entre outros legados e diferenças históricas) condiciona o desenvolvimento em cada país, dessas características e desafios em comum. Portanto, essa herança jurídico-institucional divergente deve ser também objeto de estudo comparativo, que ilumine sua relativa eficácia na abordagem da diversidade ambiental e sócio-cultural. Mas além dos desafios nacionais convergentes, há também importantes experiências brasileiras e canadenses no plano internacional, que tampouco se discutem e noticiam junto à opinião pública. Para citar apenas três exemplos que apresentam grande similaridade entre os dois países: 1) As contribuições que têm feito constante e eficientemente, tanto o Brasil como o Canadá, às forças especiais da ONU, para a manutenção e o restabelecimento da paz em áreas de conflito no mundo inteiro; 2) No âmbito das Américas, ambos os países têm procurado, a seu modo, se opor às ambições de hegemonia unilateral dos Estados Unidos. Na América do Norte, o Canadá vem mostrando as virtudes do chamado Modelo Norte assente num Estado de bem estar mínimo, o qual contrasta com a individualização dos problemas sociais, predominante nos Estados Unidos. O Brasil, por sua vez, ainda que tenha, pragmaticamente, aceito a aliança com o governo Bush, busca, através do Mercosul e novas cooperações diplomáticas, estabelecer uma presença construtiva entre seus vizinhos na América do Sul, e outros países emergentes ao redor do mundo; 3) Há também uma presença influente do Canadá na Comunidade Britânica de Nações, e a do Brasil entre os países de fala portuguesa, em ambos os casos no sentido da preservação e desenvolvimento de suas respectivas tradições político-culturais. Não há dúvida que muitas outras experiências nacionais e internacionais semelhantes podem ser apontadas, mostrando que os dois países têm exercido influência moderadora e multilateral, no sentido da construção de um mundo mais pacífico e pluralista. Infelizmente, o noticiário internacional não salienta esses objetivos comuns, praticados pelo Brasil e o Canadá (e por vários outros países), em prol da paz e da cooperação entre os povos. Esta Mesa Redonda sobre o Brasil Contemporâneo na Conferência do CALACS, alinha-se portanto com um esforço mais amplo, de cooperação entre os dois países, que visa promover o mútuo estudo e conhecimento de suas respectivas realidades nacionais. Os trabalhos selecionados para apresentação em CALACS, escolheram para debate entre o público universitário canadense, alguns temas centrais dos estudos da atualidade brasileira. Ted Hewitt inicia apresentando um levantamento dos estudos recentes feitos por estudiosos canadenses acerca do Brasil. O trabalho constata crescimento significativo nesses estudos, e salienta lacunas e desafios pendentes nessa área. Todos os trabalhos apresentados na Mesa são reproduzidos a seguir na íntegra, no idioma original em que foram apresentados, acompanhados de seus resumos respectivos. É importante salientar algumas indicações sobre a importância de cada estudo: Sérgio Costa, por exemplo, aborda as mudanças atuais na mobilização étnica no Brasil (principalmente a dos Afro-descendentes), indicando a contribuição dos estudos internacionais sobre o tema, bem como os vínculos que essa mobilização estabelece com o exterior. Paulo Krischke discute as características das políticas sociais do governo, salientando que elas não são apenas redistributivas, mas voltadas ao reconhecimento da diversidade sócio-cultural e da tolerância política ¾ daí o seu impacto na aprovação popular ao governo, apesar dos problemas sócio-econômicos pendentes. Leandro Vergara-Camus analisa a trajetória do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sublinhando a tensão existente entre seus objetivos de reforma agrária e as políticas do governo atual ¾ frente às imposições de mercantilização e internacionalização da produção agrária. E finalmente, Tullo Vigevani e Marcelo Fernandes de Oliveira mostram as tentativas de mudança na política internacional brasileira, em curso durante a última década, no sentido de uma participação mundial mais autônoma e deliberativa, com os impasses daí decorrentes ¾ por exemplo, no caso das negociações sobre a ALCA. Em suma, todas as apresentações desta Mesa revelam a atualidade brasileira como um processo histórico em andamento, voltado à realização e aperfeiçoamento da democracia, e como tal, repleto de ambigüidades, desafios e problemas de difícil resolução. Os exemplos do Canadá, e de outras democracias mais plenamente consolidadas que a brasileira, no tratamento de problemas semelhantes, poderão proporcionar fecundos estudos comparativos, para iluminar e promover o fortalecimento da democracia no Brasil. Por último, é necessário salientar e agradecer aqui os apoios multilaterais que permitiram a realização desta Mesa em CALACS; o CNPq financiou a viagem de alguns participantes brasileiros, e suas respectivas universidades permitiram que se deslocassem naquela semana ao Canadá. CALACS ofereceu cobertura para alguns gastos de estadia e viagem interna no Canadá. O Centro de Estudos sobre Segurança e Relações Internacionais da Universidade de York proporcionou oportunidades de alojamento, pesquisa e intercâmbio com outros colegas naquela universidade em Toronto ¾ além da viagem de um dos participantes brasileiros ao Canadá. Todos os colegas canadenses que participaram da Mesa, e os demais dirigentes, participantes, e funcionários do congresso de CALACS, receberam os brasileiros afetuosamente e com uma cordialidade que estes não esquecerão ¾ e que esperam retribuir oportunamente no Brasil.

Biografia do Autor

Paulo J. Krischke, UFSC

Professor do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (DICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Publicado

01.01.2005

Edição

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Editorial