Editorial

Autores

  • Sandra Caponi

Resumo

O primeiro número do ano 2007 da Revista INTERthesis evidencia a heterogeneidade de temas, problemas e enfoques que são próprios da área de Ciências Humanas. Porém, e apesar dessa heterogeneidade todos os textos aqui reunidos têm alguma coisa em comum. Eles se identificam pelo caráter interdisciplinar das abordagens propostas. Se a INTERthesis tem como objetivo a construção de um espaço de debate crítico, no interior do qual possam dialogar diversos saberes e disciplinas tendo como horizonte as polêmicas atuais nas ciências humanas, poderíamos dizer que o número da Revista que aqui apresentamos atingiu plenamente esse objetivo. A revista abre com um artigo inédito de Edoardo Boncinelli, “Necessidade e Contingência da Natureza humana” traduzido para o português pelo Professor Selvino Assmann. Boncinelli é atualmente membro da Organização Européia pela Biologia Molecular, e Presidente da Sociedade Italiana de Biofísica e Biologia Molecular. Este pesquisador das ciências biológicas, professor da Universidade de Milão, aborda uma temática de absoluta atualidade. Boncinelli assume o desafio de mostrar as dificuldades inerentes às explicações reducionistas dos comportamentos humanos. Mostra os alcances e as limitações desses discursos que a partir de explicações mais ou menos próximas ao determinismo genético, à neurofisiologia cerebral, ou à biologia evolucionista tentam achar explicações deterministas para aquilo que é próprio da condição humana, nossa capacidade de fazer escolhas e a determinação histórica, e conseqüentemente, social e cultural dessas escolhas. O segundo artigo deste número retoma um debate clássico e fundamental, porém um pouco esquecido em nossa modernidade tardia, Selvino Assmann, professor do Departamento de Filosofia e do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (DICH) da UFSC, e Nei Antonio Nunes, professor de Filosofia Política e Ética na UNISUL, analisam o papel dos intelectuais como críticos do presente. O artigo discute a “re-leitura” que Foucault faz do texto de Kant “O que é o Iluminismo” e conseqüentemente discute o papel dos intelectuais à luz das grandes transformações dos saberes e das práticas de poder nas últimas décadas. Quiçá possamos pensar que um dos grandes desafios de nossa modernidade está em desmontar as estratégias de saber que pretendem reduzir a Condição Humana a uma somatória de reações moleculares e de sinapses cerebrais. Se aceitarmos o desafio proposto por Assmann e Nunes de “reavaliar o campo de possibilidades das práticas de liberdade, sustentando o exercício da crítica”, poderemos pensar que os dois textos que abrem este número de INTERthesis podem ser lidos como sendo complementares. Podemos dizer que o primeiro artigo põe em ação o exercício dessa crítica do presente que para Assmann e Nunes caracteriza a tarefa dos intelectuais. Rafael Raffaelli, professor do Departamento de Psicologia da UFSC, discute, em seu texto “Nota sobre a Metapsicologia freudiana”, a diferenciação metapsicológica das instâncias narcísicas na obra de Freud. Desse modo, a critica iniciada por Bonicelli ao determinismo neurobiológico da condição humana se radicaliza no texto de Rafaelli, particularmente em sua afirmação do “Eu” como submetido a “duas instâncias reguladoras complementares, uma que determina o interdito (proibição) e outra que traça as metas pessoais (ambição) a serem alcançadas”. O quarto artigo deste número da INTERthesis apresenta um trabalho de Leandro Duarte Rust, doutorando em História Medieval da Universidade Federal Fluminense (UFF), referindo-se aos clérigos medievais. Neste texto, denominado “O Elogio aos primitivos do tempo: historiadores e clérigos medievais nos paradoxos da modernidade”, Leandro constrói um estudo detalhado e brilhante das possibilidades analíticas abertas pelo modo de construir a história proposta pela Escola dos Annales. Mostra que, a partir dessa perspectiva teórica, “não existe historiador que, de alguma forma, e em alguma intensidade, não projete sua contemporaneidade sobre a não-contemporaneidade do sujeito histórico estudado”. O texto muito bem documentado e com uma escrita elegante e cuidadosa nos convida a pensar, a partir de um exemplo histórico concreto, sobre esse jogo entre passado e presente, entre história e atualidade que tanto fascinou a Foucault em sua re-leitura do texto Kantiano analisada por Assmann e Nunes. Elizabeth Borelli, doutora em sociologia e professora da PUC-SP, analisa em seu texto, “Urbanização e qualidade ambiental: o processo de produção do espaço da costa brasileira”, a questão das relações entre urbanização e qualidade ambiental na zona costeira e a crescente degradação dos ecossistemas costeiros provocada pela expansão urbana e os interesses econômicos. Sérgio Luís Boeira, doutor em Ciências Humanas pelo DICH/UFSC e professor da UNIVALI, e Paula Johns, socióloga e mestre em Inglês e Estudos do Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Roskilde, Dinamarca, abordam uma temática semelhante, mas neste caso, o que está em questão são os interesses da industria do tabaco. O artigo “Indústria de Tabaco vs. Organização Mundial de Saúde: um confronto histórico entre redes sociais de stakeholders”, apresenta uma introdução à história da indústria de tabaco no Brasil e se propõe a delinear a relação entre produção, exportação e combate ao consumo de tabaco. Por fim, este número da INTERthesis conta com mais uma valiosa colaboração do professor Selvino Assmann. Trata-se, neste caso, da tradução de um instigante e corajoso texto escrito há mais de 200 anos, em 1791 por Olympe de Gouges, a “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã”. Este texto, traduzido ao português foi originariamente publicado por Assmann como uma homenagem às mulheres no dia 8 de março de 2007, no Jornal FloripaTotal. Reproduzimos aqui este manifesto com uma breve apresentação do tradutor. Mas para concluir, voltemos ao texto de Boncinelli. Como vimos, seu interesse está centrado no questionamento do que pode ser considerado como necessário e contingente na natureza humana, essa pergunta, absolutamente atual, é a mesma que escutamos no manifesto de Olympe de Gouges. Para essa questão ela deu, em 1791, uma resposta que parecemos condenadas a repetir ao infinito “Mulher, acorda! A força da razão faz-se ouvir em todo o universo: reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza já não está limitado por preconceitos, superstição e mentiras”. Sandra Caponi Editora

Publicado

25.04.2007

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Editorial