Hesitação e recusa vacinal como trama discursiva: estratégias de resistência à imunização na pandemia de covid-19
DOI:
https://doi.org/10.5007/1807-1384.2025.e109362%20Palavras-chave:
hesitação vacinal, recusa vacinal, discursos antivacina, biopolítica, covid-19Resumo
Este artigo busca analisar a hesitação e a recusa vacinal como trama discursiva que reordena critérios de verdade no Brasil durante a covid-19, em chave de biopolítica foucaultiana, por meio de um estudo qualitativo de inspiração arqueogenealógica. O corpus é composto de postagens de dois grupos do Facebook contrários à vacinação, localizadas pela busca do termo “covid” e selecionadas pelo maior número de interações, a fim de mitigar viés curatorial; as interações foram tomadas como indício de validação tecnodiscursiva. Foram identificadas quatro estratégias discursivas recorrentes e frequentemente sobrepostas: (i) moralidade cristã que sacraliza o corpo e desloca a proteção para a fé; (ii) discursos de saúde natural, que reconfiguram prevenção e imunidade como autocuidado fora da mediação biomédico-estatal; (iii) deslegitimação de instituições (Estado, órgãos sanitários, mídia, Judiciário); e (iv) crítica à ciência e à indústria químico-farmacêutica, que reinterpreta a vacinação como experimento e como risco ampliado. Tais estratégias compõem uma economia de suspeição que desloca a vacina do eixo cuidado/solidariedade para risco/sujeição. Considera-se que reduzir o discurso antivacina à desinformação obscurece sua complexidade e pode reforçar resistências; ampliar coberturas requer comunicação dialógica e transparente e a publicização de rotinas de farmacovigilância, recompondo circuitos de confiança.
Referências
BISS, Eula. Imunidade. Germes, vacinas e outros medos. 1ª ed. Trad.: SOARES, Pedro M. São Paulo: Todavia, 2017.
BUTTURI JUNIOR, Atilio. É a biopolítica um problema de linguagem? In: BUTTURI JUNIOR, Atilio; LARA, Camila A.; D'ÁVILA, Denyse A.; SILVA, Fábio L. (Orgs.). Biopolíticas – discursos, dispositivos e resistências. Campinas: Pontes Editores, 2019a. p. 15-31.
BUTTURI JUNIOR, Atilio. O hiv, o ciborgue, o tecnobiodiscursivo. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 58, n. 2, 2019b. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/KgpnJBsDxVskHPqbLDc3FBp/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 12 set. 2020.
CAMARGO JR, Kenneth R. de. Lá vamos nós outra vez: a reemergência do ativismo antivacina na Internet. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, supl. 2, p. 1-8, ago. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020001403001. Acesso em: 2 fev. 2021.
CHALHOUB, Sydney. Cidade febril: Cortiços e epidemias na Corte Imperial. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. E-book.
DUBÉ, Eve; VIVION, Maryline; MACDONALD, Noni E. Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications. Expert Reviews of Vaccines, v. 14, n. 1, p. 99-117, nov. 2015. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1586/14760584.2015.964212?journalCode=ierv20. Acesso em: 20 maio 2020.
ERNST, E. Rise in popularity of complementary and alternative medicine: reasons and consequences for vaccination. Vaccine, v. 20, supl. 1, p. S90–S93, 2001. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X01002900?via%3Dihub. Acesso em: 27 maio 2021.
ESPOSITO, Roberto. Bios. Biopolítica e Filosofia. Trad. COSTA, M. F. Lisboa: Edições 70, 2010.
ESPOSITO, Roberto. Termos da Política: Comunidade, Imunidade, Biopolítica. Curitiba: Ufpr, 2017.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 13ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999a [1979].
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Trad. RAMALHETE, Raquel. 20ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999b [1975].
FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade I: A vontade de saber. Trad. ALBUQUERQUE, Maria T. C.; ALBUQUERQUE, J. A. G. 13ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999c [1976].
FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). 1ª ed. Trad. GALVÃO, Maria E. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008a [2004].
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Trad. NEVES, Luiz F. B. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008b [1969].
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. FIKER, Raul. 5ª reimpr. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
KATA, Anna. A postmodern Pandora’s box: Anti-vaccination misinformation on the Internet. Vaccine, v. 28, n. 7, p. 1709-1716, fev. 2010. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X09019264?via%3Dihub. Acesso em: 21 maio 2020.
KATA, Anna. Anti-vaccine activists, Web 2.0, and the postmodern paradigm – An overview of tactics and tropes used online by the anti-vaccination movement. Vaccine, v. 30, n. 25, p. 3778-3789, 28 maio 2012. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X11019086. Acesso em: 20 maio 2020.
KLEINMAN, Arthur. Concepts and a Model for the Comparison of Medical Systems as Cultural Systems. Social Science and Medicine, v. 12, p. 85-93, 1978. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0160798778900145. Acesso em: 8 maio 2021.
LANGDON, Esther J. Cultura e os Processos de Saúde e Doença. In: Annais do Seminário Cultura, Saúde e Doença. Londrina: Ministério da Saúde; Universidade Estadual de Londrina; Secretaria Municipal de Ação Social/Prefeitura Municipal de Londrina, 2003.
MENÉNDEZ, Eduardo. De vacunas e influenzas: polarización y desencuentros técnicos e ideológicos. In: ZAPATA, J. F.; GARCÍA, C.; ROMANÍ, O. (ed.). Medicamentos, Cultura y Sociedad. Tarragona: Publicacions URV, 2020. p. 297-331.
MOTA, André; SANTOS, Marco A. C. Entre algemas e vacinas. Medicina, polícia e resistência popular na cidade de São Paulo (1890-1920). Novos Estudos CEBRAP, n. 65, v. 1, p. 152-168, mar. 2003. Disponível em: http://novosestudos.com.br/produto/edicao-65/. Acesso em: 15 jun. 2021.
PAVEAU, Marie-Anne. Análise do Discurso Digital: dicionário das formas e das práticas. COSTA, Júlia L.; BARONAS, Roberto L. (orgs.). 1ª ed. Campinas: Pontes Editores, 2021.
SOBO, Elisa J. Social Cultivation of Vaccine Refusal and Delay among Waldorf (Steiner) School Parents. Medical Anthropology Quarterly, v. 29, n. 3, p. 381–399, 2015. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25847214/. Acesso em: 20 maio 2020.
SOBO, Elisa. Theorizing (vaccine) refusal: through the Looking glass. Cultural Anthropology, v. 31, n. 3, p. 342-350, ago. 2016. Disponível em: https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.14506/ca31.3.04. Acesso em: 10 mar. 2021.
STREEFLAND, Peter; CHOWDHURY, A. M. R.; RAMOS-JIMENEZ, Pilar. Patterns of vaccination acceptance. Social Science & Medicine, v. 49, n. 12, p. 1705-1716, dez. 1999. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0277953699002397?via%3Dihub. Acesso em: 14 mar. 2021.
YOUNG, Alan. Some Implications of Medical Beliefs and Practices for Social Anthropology. American Anthropologist, v. 78, n. 1, p. 5-24, mar. 1976. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/675027?seq=1. Acesso em: 8 maio 2021.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Leticia Ferreira Camargo

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
Autores e autoras mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online após a sua publicação (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) já que isso pode aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).