Velhos livros, novos papéis:
os Desvalidos, memória e história do mutualismo negro no século XIX
DOI:
https://doi.org/10.5007/1984-9222.2023.e93895Palavras-chave:
mutualismo, identidade racial, memóriaResumo
O presente artigo trabalha a história de duas instituições de ajuda mútua criadas por indivíduos negros livres e libertos, na primeira metade do século XIX, na cidade de Salvador, apresentando novas evidências de sua especificidade histórica. Explorando a recente publicação de dois importantes livros de registros da Irmandade dos Desvalidos (1832), o texto analisa os termos do conflito que em fins da década de 1840 dividiu a confraria, criando a Sociedade Protetora dos Desvalidos (1851) e abrindo caminho para importantes transformações no mutualismo negro do século XIX na Bahia. Apoiado em novas evidências, o trabalho discute como a surpreendente ausência desse conflito na historiografia sobre o tema pode ser explicada como uma das consequências do próprio conflito, que, ao separar as instituições, impôs à sua documentação os azares da transmissão ao longo do tempo. Pretende-se demonstrar, por fim, como o “jogo dos livros” dos Desvalidos pode funcionar como uma chave de explicação para formas particulares assumidas pela leitura da história e pela construção da memória sobre os Desvalidos desde meados do século XX.
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