“Que letra é essa?”: racismo, fracasso escolar e medicalização na história de Patrick
DOI:
https://doi.org/10.5007/2175-795X.2025.e98036Schlagworte:
Fracasso escolar, Racismo, Pobreza, MedicalizaçãoAbstract
No presente ensaio, buscamos tecer uma articulação entre fracasso escolar, medicalização, racismo e desqualificação das pessoas pobres, valendo-nos da análise do documentário “Que letra é essa?”. Gravado entre os anos de 2002 e 2004, o premiado vídeo dirigido por Pedro Rocha retrata a história de Patrick, que, aos nove anos de idade, repetia pela terceira vez a primeira série do ensino fundamental, atual primeiro ano. Patrick é um menino de poucas letras. E apesar do histórico de reprovação escolar, segue dentro da escola e da sala de aula sem saber ler nem escrever. Percorrendo um caminho ético-político, nos propusemos a uma escuta sensível e situada dos depoimentos construídos pelas professoras do garoto, seus pais e irmã, alguns de seus colegas e pelo próprio Patrick em relação à sua história escolar, marcada pelo apagamento contínuo ou a hipervisibilidade distorcida. Nosso objetivo é compartilhar algumas pistas que ajudam a refletir, a fim de romper a falsa inteligibilidade produzida nas explicações estigmatizantes, excêntricas e que, embora já profundamente criticadas no debate acumulado sobre o tema da criança pobre e negra que não aprende na escola, se atualizam na história de Patrick, e sabemos que na vida de outros tantos Patricks. Na contramão da captura e expulsão da vida, buscamos apontar perspectivas que possam alimentar a formação de professoras – seja inicial, seja continuada, nos espaços formais e informais –, agindo criticamente nas convocações que o tema nos impele, em defesa de uma escola que assuma papel ativo na luta pela emancipação humana. Uma escola desmedicalizante, ainda que ciente dos limites historicamente impostos.
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